domingo, 9 de maio de 2010

CAPÍTULO XVIII

REAVALIAÇÕES
Vitor vai buscar Suzana no domingo para passar alguns dias em sua casa. A menina usa o cabelo preso para trás, trajando um conjunto de jaqueta e calça jeans, com o cãozinho Lalau no colo. Vitor, carinhoso, saúda a sobrinha:
- Bom dia, minha “Morena grau dez!”
- Bom dia, tio...
- Que carinha é esta?
- Tio.... – Suzana joga-se aos prantos nos braços de Vitor.
- Queridinha, não fica assim. Perdoa teu pai.
- Ele me odeia, tio.
- Não minha querida. Ele só ainda não aprendeu a amá-la.
- Por quê que as coisas são assim?
- Meu bem, você consegue explicar o dia 11 de setembro? Só de falar a data todos já sabem do que se trata. “O mundo jaz no maligno”. A explicação é espiritual. O ser humano tá sem amor. Você ainda vai reconhecer o amor de Deus na sua vida, disto eu tenho certeza.
Os dias passam e Suzana apresenta melhoras no seu estado emocional. Apesar da falta da mãe, falava com ela ao telefone e via sempre as primas na escola. Alfredo ia cedo à casa de Vitor para levá-la trazendo-a também de volta e o motorista de Heloísa levava Sandra e Sônia.
À tarde na creche-escola de Vitor, Suzana se vê embaraçada para ajudar nas atividades com as crianças:
- Tio, eles não param quietos! Olha quanta “empurração” pra escovar os dentes!
- Espera passar este momento de agitação e conta uma história antes deles deitarem.
- Eu já sei o que vou fazer. – Suzana entra na sala respirando fundo, decidida a colocar ordem.
- Sentem todos ou eu os “reduzo a mísero pó!”
- Quê? – pergunta um menino assustado
- O que é mísero pó? – pergunta outro
- Me dá sua mão. – Suzana ordena, segurando o apagador.
- É assim que você vai ficar! – responde ela batendo com o apagador na mão do menino - Agora, todos sentados no chão, que eu vou contar uma história! – Suzana senta-se no chão e todas as crianças sentam-se em volta dela.
Helena e Vitor observam Suzana com as crianças escondidos olhando por uma fresta da porta.
- Ela tá brilhando! – Vitor comenta entusiasmado ao observar Suzana contando histórias para as crianças.
Enquanto isto, no Solar Castelli, Soraya procura salvar seu casamento:
- Genaro, precisamos conversar.
- Eu tenho uma reunião daqui a pouco.
- Eu não vou prejudicar a sua reunião. Voltamos ao assunto depois.
- Então, fala.
- Você tem demonstrado muito mais nos últimos tempos uma impaciência total em relação à nossa filha e por isto mesmo, eu pensei em afastá-la um pouco de você, pra que ela não se sentisse pior do que já está se sentindo.
- O que você acha que eu deveria ter feito depois daquela cena que ela aprontou aqui, diante de convidados meus?
- Não me refiro só àquele dia. De ambas as partes haviam sentimentos acumulados. Você nunca me perdoou por não ter lhe dado o filho homem que tanto queria e que eu não tenho a culpa de ter perdido e passou a transferir sua raiva pra ela que se ressentiu ficando uma menina insegura, com necessidade de aparecer com atitudes como a que teve noutro dia. Ela agiu assim porque é uma adolescente e ainda não tem o domínio total das emoções.
- Onde você quer chegar com isto? Quer dizer que eu tinha que aceitar aquilo?
- Não, quero dizer que com violência, com ódio, não vai chegar a lugar nenhum. Você precisa aprender a conversar com ela, precisa aprender a amar a sua filha. Você já foi tão romântico. Sua obcessão por dinheiro está fazendo você ficar frio, insensível. Estou falando pelo nosso bem, pelo bem da nossa filha.
- Esta é a explicação para uma atitude como aquela?
- Genaro, não entra na defensiva. Quero salvar nosso casamento que está muito afetado por essas suas atitudes. Se fosse um pai mais presente teria evitado uma situação como aquela.
- Por que?
- Por que simplesmente ela estava num lugar afastado e deserto com o Bruno que queria se aproveitar dela.
- O Bruno? Você tá imaginando coisas!
- Não estou, não, Genaro. Ele estava com más intenções. A Suzana tem uma fraqueza e ele se aproveitou disso.
- Que fraqueza? Como assim?
- Genaro, nossa filha está se tornando uma alcoólatra.
- O quê?
- Isto mesmo. Você não percebeu que ela não estava no estado normal?
- Bem, eu percebi, mas...
- Mas estava tão revoltado pela atitude dela que só pensou em repreendê-la, em descarregar toda a raiva que sentiu por ter se sentido humilhado diante dos seus convidados.
- Eu achei que estivesse bêbada, mas...
- Ela estava bêbada e drogada. A Helô pegou a latinha de bebida daquele garoto e descobriu que tinha uma quantidade - muito pequena, mas tinha – de ecstasy. Pra quem não está acostumado como a Suzana, fez um efeito rápido. Felizmente eu a fiz botar tudo pra fora. Ela poderia ter entrado em coma. Aquele menino é um inconseqüente e eu também soube que o pai dele é sonegador e na casa dele tem umas festinhas bem duvidosas.
- Quem não sonega hoje em dia?
- Você por exemplo. É uma das suas grandes qualidades e que eu admiro muito. Ainda o acho um péssimo pai, mas um excelente administrador, um ótimo marido, um homem íntegro.
- Bem, eu iniciei negócios com o Wilson e estou indo bem.
- É? Melhor se afastar. Eu creio que não vai sobrar pra você, mas cuidado. Quanto à Suzana, vamos zelar mais pela nossa filha. Amor de pai faz falta e isto nenhum dinheiro no mundo compra.
- Bem eu estou atrasado. - Genaro prepara-se para sair, mas recua e chama a esposa - Soraya.
- Hein?
- Eu vou pra São Paulo 6ª feira de manhã, mas ainda não comprei passagem.
- Desta vez eu vou com você.
- Obrigado, meu amor. – Genaro aproxima-se da mulher para abraçá-la e ela corresponde
- Não precisa agradecer, vai ser bom pra nós. Mais uma vez eu peço que pense no que eu falei, principalmente sobre a Suzana. Aliás, assim que houver outra viagem, se ela estiver de férias quero que vá com a gente.
- Combinado.
Soraya comunica-se com Suzana avisando que vai com Genaro a São Paulo e no mesmo dia em que estes viajam, Sandra e Sônia vão ver a prima.
- Eu soube que você tá ajudando na creche do tio Vitor. - Sandra demonstra interesse pela prima
- É... também fui à editora.
- Ele tem escrito muito? – Sônia fica curiosa
- O próximo livro é surprêsa. Aquele que ele escreveu há muito tempo, “LUZ DO TRIUNFO”, saiu nova edição.
As meninas conversam e se divertem. Mais tarde, Vitor chega.
- Como é? O que me contam?
- Ah, nada de novo, só mesmo a festa da Sônia que tá chegando.
- Vai ser muito bom. – Vitor anima-se - E o Daniel, Sandra? Teve alguma notícia?
- Até agora, nada. Faz um tempo que ele não me liga. Da última vez foi muito rápido.
- Ele não quer ser localizado.
- Ele liga muito rápido do celular. Depois, quando eu ligo, ele deixa sempre desligado.
No apartamento de Eliana, Daniel está cada vez mais agressivo:
- Dani, aonde você vai?
- Não interessa! Já tô bem grandinho, tá?
- Mas Dani, eu só quero o seu bem! Não vai, Dani, por favor. – Daniel ignora o pedido de Eliana e sai.
Desesperado, Daniel procura o ponto mais próximo de venda de drogas e encontra um dos fornecedores:
- Oi, me arranja um pó.
- ‘Cê ainda tá devendo.
- Cara, eu não tenho nada comigo aqui ...eu te dou o meu celular.
- Não é o bastante pra pagar o que você deve.
- Por favor...é importado ‘cê pode vender e dá pra pagar uma boa parte – Daniel suplica
- Tá, cara, eu aceito, mas você vai levar uma quantidade menor.
Daniel não pensa no que está fazendo, pois seus contatos telefônicos estão no celular e o traficante aceita para tirar proveito disto.
Genaro e Soraya passam em São Paulo uma segunda lua de mel. Vão aos melhores restaurantes, passeiam, fazem compras, sempre que os intervalos permitem, pois, embora viajasse a negócios, Genaro gosta da companhia da espôsa. Os negócios prosperam e o casamento também. Se realiza a perfeita união de útil ao agradável.
Num dos momentos de “relax” do casal no hotel, os dois assistem à TV e Soraya impressiona-se ao ouvir a reportagem: “Empresário Wilson Mattos, preso por sonegar impostos”.
- Genaro! Vem aqui, depressa!
Genaro fica estarrecido ao ver o citado empresário, o pai de Bruno sendo preso.
A reportagem nara que foram encontradas trouxas de maconha e sacos de cocaína na mansão e que havia lá um Cassino clandestino.
Depois da visita das primas, Suzana, que deixou alguns dias de escrever em seu diário abre a página do dia e lê os trechos: “Honra teu pai e tua mãe, para que se prolonguem os teus dias na terra que o Senhor, teu Deus, te dá.” (Êxodo, 20: 12); “Filhos, em tudo obedecei a vossos pais; pois fazê-lo é grato diante do Senhor” (Colossenses, 3: 20)
Rio, 09 de maio de 2002
Meu querido diário:
Fiquei muito triste com tudo que fiz. Quando me joguei nos braços do meu tio Vitor, ainda me sentia a garota mais infeliz do mundo. Ele me falou daquela tragédia do dia 11 de setembro. Ninguém vai se esquecer daquele dia, mas eu também não esqueço de quantas vezes já chorei por causa do meu pai. É bem verdade que pensando em pessoas que perderam parentes, outras que foram trabalhar e não voltaram pra casa, fico até envergonhada de sentir o que sinto. Mas tudo o que tenho naquela mansão não é sinônimo de felicidade. Sei também que não tenho o direito de me considerar uma infeliz, porque coisas como o terrorismo, guerras entre países são situações sem comparação com as que eu passo. Eu vivo no maior luxo, sempre tive tudo e acho que poucas na minha idade que tem a minha condição financeira pensam nisto. Mas não é este o motivo pelo qual tenho que honrar meus pais. Minha mãe é maravilhosa. Sinto a falta dela, mas ela e o tio Vitor me fizeram ver que eu precisava de um tempo. Aqui não tem o luxo que tem lá, mas é um lar muito mais feliz. Tio Vitor é um pai tão carinhoso. Dá bronca na Patty, mas também a coloca no colo. Eu até me revolto em ter que honrar um pai que é tão bruto comigo. Ele já me bateu tanto, já foi tão cruel comigo. Não sinto a menor dificuldade em honrar minha mãe. Acho que ela e o meu pai devem estar se entendendo. Pelo menos assim eu não me sinto tão culpada. Eu pensei que eles pudessem se separar e ainda acho que eu atrapalho a vida dos dois. Tá chegando o dia das mães e estou com mais saudades da minha mãe... vou parar de escrever, pois estou começando a chorar e se continuar vou chorar mais. Por hoje é só.
Tchau,
Suzana.
Helena entra no quarto que está com a porta entreaberta e Suzana apressa-se em disfarçar, enxugando rapidamente as lágrimas com as mãos.
- Você tava chorando, filhinha?
- Tia... – Suzana não consegue mais disfarçar e abraça a tia que senta-se ao seu lado na cama.
- Pode chorar, meu amor, não fica com vergonha. Você é como uma filha pra mim.
- Eu...eu sou uma chata. Tô aqui na sua casa dando trabalho, enchendo o saco de todos com a minha tristeza.
- Não diga isto. Você é uma benção. A Patty tá gostando muito da sua companhia. Ela disse que é o mesmo que ter uma irmã. Ela conviveu tão pouco com as dela na mesma casa.
- Eu...tô sentindo falta da minha mãe.
- Eu sei, ela deve estar sentindo de você também, mas disse que sabe que você aqui é bem cuidada.
- É tão bonita a convivência de vocês. É tudo tão difícil lá em casa.
- Você acha que nós não temos problemas?
- Ah, tia! Não se compara aos que eu tenho, aos que a Sandra tem.
- Pelo menos a Sônia está de fora.
- Não tenho muito o que falar da Sônia. Ela é tão “na dela”.
- Você acha que pra ela não é chato o pai ficar ausente tanto tempo?
- Sei lá...ela se dá tão bem com o tio Sérgio.
- Mas eu já percebi como sente falta do pai e como fica feliz quando ele volta de viagem.
- É...já a Sandra tá sofrendo por causa do Daniel.
- E você deixou sua mãe muito aflita quando andou bebendo.
- Nem fala, que vergonha. Eu...não vou mais beber.
- Amém. Em nome de Jesus, você vai voltar logo pra casa e superar esta fase difícil.
Enquanto isto, a máfia do tráfico procura a pista de Daniel.
- Chefe, acho que tenho a pista certa. O telefone de um cara que também é nosso cliente.
- Faz o seguinte: oferece um kit grátis pra ele em troca de informações.
- Falou chefe.
Eliana chega à noite em seu apartamento e não encontra Daniel. Temerosa de que tenha ido procurar drogas, procura no quarto e vê que suas coisas estão reviradas. Depois que dá pela falta de alguns objetos de valor, deduz que Daniel tenha roubado para obter mais drogas e dá pela falta dos pertences dele também. Eliana começa a chorar:
- Ele nem se importou comigo...por que eu fui me envolver com aquele cara? Eu sou uma burra! Até me roubou!
No fim de semana, Sandra, sem ter com quem falar, sobe ao seu quarto e abre o diário, lendo os trechos bíblicos: “O homem que tem muitos amigos sai perdendo, mas há amigo mais chegado do que um irmão (Provérbios, 18: 24); “Aquele que ama a seu irmão permanece na luz e nele não há nenhum tropeço” (1 João, 2: 10).
Rio, 10 de maio de 2002
Meu querido diário
Lendo estes trechos, constato que a vida não tem a mínima coerência. Quando eu vejo um filme, leio um livro ou qualquer coisa no gênero da ficção, fico sempre procurando um sentido para as situações que parecem absurdas e observando bem tudo o que está acontecendo à minha volta, com a minha família, com meus parentes, chego à conclusão do quanto tudo é tão absurdo e que o comportamento de todos não parece combinar, nada com nada. O Dani, teria tudo pra sentir ciúme de mim e não sente mas o que tem feito é pra chamar a atenção. Ele é o que diz o trecho acima, porque é um irmão amigo. Eu o amo profundamente. Ele tem razão de ter mágoa dos nossos pais. Apesar de revoltado, ele nunca descontou nada em mim. Ele já foi agressivo comigo, principalmente nos últimos tempos, mas foi coisa passageira. Ele reprimiu dentro de si um ódio dos nossos pais que só conseguiu extravazar pela droga. Ele não é um exemplo de filho, mas um irmão como poucos. A Sônia e o Ivan vivem às turras, o tio Genaro é rude com a Suzana, mas cede quando a tia Soraya o encosta na parede. Os irmãos do meu pai se unem pelo fator dinheiro,- com exceção do tio Vitor - e não estão inseridos neste grupo citado acima, que “permanece na luz”. Meu pai e tio Genaro falam do tio Vitor com um sarcasmo total. Ele é o “Bíblia” “o aleluia,” o “glória a Deus!” Eu não acredito nas mesmas coisas que o tio Vitor, que a minha avó, mas reconheço que eles são muito mais felizes do que nós. Minha avó não cobra nada de nenhum filho, não é infeliz por ser pouco procurada, vive uma vida tão serena naquela casa em Petrópolis que muitas pessoas acham monótona, mas as pessoas que criticam a ela e ao tio Vitor, têm inveja. Tá chegando o dia das mães...minha avó devia ganhar um troféu por ser a mãe que é.
O que mais me entristece é a hipocrisia que eu vejo em volta, meus pais mantendo um casamento de quase 25 anos que já terminou há pelo menos uns 10. É tudo tão falso, tão horrível, incoerente. Meu pai nem fala no Dani. Quando é que será que a ficha dele vai cair?
Sandra ouve alguém bater na porta e interrompe:
- Quem é?
- Sou eu, filha. – responde Paulo – Posso entrar?
- Só um momento, pai.
Vou interromper, meu pai tá batendo na porta. Depois que ele sair, posso ter novidades e fecho o dia de hoje.
Te já,
Sandra.
Sandra guarda o diário e abre a porta. Paulo fica parado esperando.
- Pai, ‘cê vai ficar parado aí?
- Eu..não incomodo, filha?
- Claro que não, entra, pai, senta aqui.
Paulo senta-se na poltrona e Sandra em frente a ele, na beira da cama.
- Você tá muito triste, né?
- E não é pra estar?
- Querida... – Paulo segura delicadamente o queixo da filha com a ponta dos dedos – Eu... Nem sei como está suportando tudo isto com tanta coragem. Como você é madura. É como se você tivesse nascido de uma fórmula de equilíbrio entre mim e sua mãe.
- E o Dani é o “desequilíbrio”.
- Eu não quis dizer isto.
- Pai, o Dani precisa se sentir amado. Ele é seu filho também. Você vai ficar assim, passivo, sem procurar saber do seu filho, deixando o tempo passar e que ele afunde mais nas drogas? Ele precisa de nós. O que aconteceu, foi a gota d’água pra transbordar o fundo do poço. É uma das conseqüências desta hipocrisia que é o seu casamento.
- Sandra! Você não sabe de nada pra dizer isto.
- Nem preciso saber, é óbvio. Você e o tio Genaro falam do tio Vitor, mas a vida dele é muito melhor que a de vocês.
- O que há de tão melhor na vida dele? Nem deu pra negócios!
- Não deu pros mesmos negócios que vocês, mas é feliz com o que faz e com a família que tem.
- Você não sabe o que ele já fez, não sabe o que passamos por causa dele aqui mesmo em festas de fim de ano, aturando as bebedeiras dele, brigas com a Helena!
- Tudo passado. Tô falando de agora. Não se esconde no passado do tio Vitor, pai.
- É muito fácil! Faz besteira atrás de besteira e um dia resolve virar santo!
- Pai, as besteiras que ele fez, várias pessoas fizeram. O Dani agora tá fazendo besteira, mas eu acredito que ele possa mudar. Só que vai precisar de ajuda. O que ele tem é uma doença.
- Ele tava numa clínica e fugiu. Do que adiantou?
- Pai, não arranja justificativas. Procura pensar numa forma de ajudar o seu filho! Ele é meu irmão, eu tô sofrendo, quero que ele esteja bem, que volte pra cá.
- Eu...não sei ainda o que fazer, vou pensar.
Antes que Paulo saia do quarto, toca o telefone e Sandra atende. É uma ligação a cobrar. Sandra aguarda e depois do sinal ouve a pessoa identificar-se:
- Dani!
- Dani! Onde é que você tá?
- Maninha...eu...liguei...pro telefone do seu quarto....porque sabia que só você ia atender...
- Onde você tá, Dani?
- Na rua...
- Mas onde?
- Maninha...eu...te amo...só queria ouvir tua voz...eu...ainda vou te ver...assim que eu puder...
- O que ele tá dizendo? – Paulo interessa-se
- Ele tá falando tão devagar, não tá bem. – Sandra responde ao pai, tapando com a mão o fone
- Maninha...tem alguém com...você aí?
- Dani, volta pra casa, por favor. Esquece a mágoa dos nossos pais. Todos nós erramos, Dani, eles te amam.
- Eu...não volto...mas ainda quero te ver...te amo. Maninha do coração. Tchau...
- Dani!
- Você viu na bina o número? – Paulo Pergunta
- Acho que é um orelhão, parece ser zona sul, acho que é Ipanema.
- Deve ter algum “ponto” de entrega lá. Vou tentar achá-lo em lugares assim.
- Procura também na faculdade dele. Eu acho que deve ter sido lá que ele começou o vício.
- Não vai ser fácil, mas vou tentar.
Após a saída do pai, Sandra volta a escrever no diário:
P. s: Tanta coisa aconteceu neste curto espaço de tempo. Conversei com meu pai, pedi que tentasse achar o Dani e o próprio ligou. Onde ele estará? Não sei, mas tá atrás de mais drogas e meu pai há de encontrá-lo, antes que seja tarde. Meu irmão vai se libertar disto tudo, eu acredito. Em breve terei notícias dele.
Até a próxima, diário
Sandra.
Do mesmo lugar onde está, Daniel liga a cobrar para outra pessoa:
- Que bom que você ligou. – a voz de uma garota atende feliz
- E... que bom que você atendeu...
- Você tá com um jeito de falar, Dani. Você não tá bem.
- Eu...queria te ver...
- Tá, eu não posso demorar, minha mãe vai reclamar, você ligou a cobrar. Atendi porque ela deu uma saída. Vem hoje à noite. Ela não vai estar aqui.
- Tá...eu...te amo...
- Eu também, amor. Tchau.
- Tchau...
No domingo, Genaro e Soraya chegam de viagem e vão imediatamente para a casa de Marisa, para cumprimentá-la pelo dia das mães. Suzana vai com Vitor, para depois voltar com os pais.
- Oi mamãe. – Genaro cumprimenta a mãe - Eu atrasei, mas vim. Você sabe que eu estava em São Paulo, né?
- Mas o importante é que você veio, filho.
- Oi filha. – Soraya cumprimenta.
- Oi, mãe, oi pai.
- Vocês não tem nada pra dizer um pro outro? – Soraya procura quebrar o gelo entre Genaro e Suzana
- Pai...me perdoa do jeito que falei, eu me arrependi muito, não vou repetir uma coisa destas.
- Está bem, está perdoada. Eu também me desculpo, fui rude demais.
- Tá... – Suzana chega a ficar quase sem fala, pois o pai nunca havia lhe pedido desculpas
- Temos um presente pra você. – Soraya diz à filha
Suzana abre e fica maravilhada.
- Um discman novo! ‘Brigada!
- Foi seu pai que escolheu, agradeça a ele.
- ‘Brigada, pai. – Suzana vai até o pai e timidamente o beija.
- Por nada... – Genaro responde sem jeito.
- Mãe...eu tenho um pequeno presente pra você.
- Um presente dado pela minha filha, nunca é pequeno, ainda mais com o coração grande que você tem.
- Vó...dá licença pra gente ir lá pro jardim? Nós não demoramos.
- Claro!
Suzana pega na mão da mãe e a conduz para o jardim.
- Mãe...é de coração. Eu fiz um cartão pelo computador e escrevi umas palavras pra você.
Soraya abre o cartão e lê atentamente:
Mãe,
Neste cartão tento expressar o amor que sinto por você. Sei que não sou fácil. Já disseram que sou mimada, complicada, que afasto as pessoas de mim com meu jeito, mas de uma coisa eu tenho certeza: por mais chata que eu seja, tem alguém que sempre vai ser fiel a mim e nunca me abandonar: você, minha mãe querida que atura esta chata 24 horas por dia,7 dias na semana, 30 ou 31 dias por mês, 365 ou até 366 dias por ano. É demais, né? EU TE AMO, resumo nestas três palavas o meu sentimento. Você sempre me entendeu, me ouviu e eu tantas vezes não valorizei isto. Quero ser uma filha melhor, assim como a Bertinha e a Celinha são pra tia Helena, embora ela diga que como adolescentes também não foram muito fáceis e que com a Patty é até mais difícil. Eu não quero prometer nada que não possa cumprir, só quero dizer que o seu dia não é só hoje, são todos os dias no meu coração. Sempre te amarei, sua filha,
Suzana
Soraya abraça carinhosamente a filha:
- Querida...como você é maravilhosa. Eu agradeço a Deus a filha que você é.
- Que bom que você existe, mãe.
- Que bom que você existe, filha.
Na casa de Marisa, a reunião do dia das mães prossegue calma, apesar do clima tenso entre Heloísa e Paulo. O casal trouxe Lúcia e os filhos. Sérgio chegaria depois, vindo direto de viagem. Vitor lê dois versículos da Bíblia:
- “Que te direi, filho meu? Ó filho do meu ventre? Que te direi ó filho dos meus votos?”(Provérbios, 31: 2); “Mulher virtuosa, quem a achará? O seu valor muito excede o de finas jóias” (Provérbios, 31: 10).
- Mamãe, estes dois versículos sintetizam o que você é. Você pede sempre direção a Deus e Ele cuida de tudo, porque é fiel. Você é esta mulher virtuosa de que Ele fala. Ter uma mãe como você é ter uma jóia rara.
- Exagerado! – Marisa abraça Vitor e, mesmo aplaudindo, no íntimo os outros sentem um ciúme, uma inveja, já que não tinham uma intimidade com Aquele Deus de que Vitor fala.
Rodrigo passa o dia das mães conversando com a mãe pela internet e é convidado por Adriana para ir à casa dela. Apesar da data festiva, os pais da menina haviam saído e os dois ficam a sós no quarto dela. A menina aproxima-se dele, que num impulso incontrolável, retribui calorosamente aos seus carinhos. De repente, ele recua.
- Rodrigo? Que foi? Você tá estranho...
- Tá errado.
- Tá errado o que?
- Eu...gosto de outra garota.
- Que nem tá dando ponto pra você, nem te merece!
- Pode ser que eu nem fique com ela, mas não é justo usar você.
- Usar?! Que há, cara? Você acha que eu não sei de nada? Sei mais do que você! Seu otário!
Rodrigo vai embora e Adriana, furiosa, vinga-se difamando-o para vários garotos do colégio dele que comentam entre si.
- E aí, otário? – Leo, um garoto da turma de Rodrigo o provoca
- Tá falando comigo? – Rodrigo pergunta espantado
- É, com você mesmo.
- Que confiança ‘cê pensa que eu te dou pra isto?
- Olha só...dispensa uma gata como a Adriana e ainda acha que pode se dar ao respeito?
- Ô cara, pega leve, deixa o meu primo em paz! – Ricardo intervem
- Vai defender o priminho, é?
- Não precisa, eu mesmo me defendo! – Rodrigo dá um direto no garoto que fica com o nariz sangrando mas reage. Os dois rolam no chão e são mandados para a diretoria. Ao saber do incidente, Hermínia encaminha-os à diretora dona Arlete que os suspende. O ocorrido chega ao conhecimento da turma de Suzana:
- Suzana, ‘cê sabia que o Rodrigo e o Leo saíram na maior briga?
- Não. Quando foi?
- Ontem, pouco antes da hora da saída.
- A gente sai mais cedo que a turma deles.
- É, mas eu tava ainda. Foi por causa da Adriana, aquela que competiu aqui, pelo CENEM. O Leo disse que ele dispensou a gata, que era um otário. Aí o Rodrigo saiu no braço com ele. A Dona Arlete soube e suspendeu os dois por três dias. Ainda bem que a Hermínia reconheceu que o Leo provocou.
- Aquela Adriana é nojenta! - Suzana fica com raiva de Adriana, muito mais por difamar Rodrigo.
- Ela anda de mão em mão. O Rodrigo é diferente dos outros, por isso ela tá espalhando que ele não é de nada, mas é mentira. Ele é muito educado. Adriana é uma despeitada. Pode ser linda, mas é metida e muito mimada. Os pais deixam fazer tudo. Ela diz que vai dormir em casa de amiga e sai escondida com garotos. Tem 16 anos, mas quando chegar aos 18, já tá mais do que “rodada”. Suzana, você que é garota pra ele. Todos aqui reparam como ele te olha.
Suzana chega a expressar um meio sorriso de contentamento, mas disfarça.
- Se ele quiser mesmo alguma coisa comigo, tem que se decidir. Eu vou continuar “na minha”.
- Cê vai continuar dando ponto pro garoto do cabelo encaracolado, daquele colégio que competiu aqui?
- Ah, o Bruno? Não houve nada. Ele é safado, fica atrás de tudo que é garota.
- Então, mais um motivo pra você dar uma chance pro Rodrigo que quer coisa séria.
- Ele que me procure.
- Ih... Sebosa!
- É pra quem pode!
O debut de Sônia aproxima-se e os convites já estão todos prontos. Na saída do colégio, Sandra chama Suzana:
- Sú, preciso falar uma coisa com você; a Sônia disse que não vai convidar a Luciana.
- Por quê?
- Sú, vem comigo aqui pra dentro do carro.
As duas entram no carro e Sônia já as estava esperando. Sandra tira da mochila seu mini-gravador.
- Ouve isto. – Sandra gravou uma conversa de Luciana com outra garota.
- Suzana é “pirada”, né? – a garota comenta com Luciana
- É só tomar uma “pinga” que ela se transforma.
- Ah, mas ela é pirada com ou sem pinga.
- É mesmo. Ela fala dormindo, grita, dá gargalhadas. – Luciana descreve com maldade
- Pôxa... E aquele moreninho encaracolado?
- Estive na casa dele outro dia. Só nós dois. Fizemos nossa festinha particular.
- A Suzana é uma otária, né? - as duas riem.
- Vou furar os olhos daquela perua! - Suzana fica furiosa.
- Alfredo, arranca com este carro! – Sandra ordena.
Alfredo atende prontamente e Suzana chora irada.
- Seja superior, Sú. Ignora aquela garota, ela só se aproveitava da sua amizade. – Sandra aconselha.
- É, Sú. Fica assim não. Ela não merece. Nós te amamos, não vamos deixar ninguém te magoar. – Sônia reforça.
Três dias depois, os protagonistas da luta saíam da suspensão e advertidos por Hermínia, os alunos cientes do fato são proibidos de tocarem no assunto.
O colégio prepara-se para uma gincana para o próximo mês e Suzana, assessorada pelas primas, se encarregaria de criar uma coreografia com um grupo de meninas. Fica um pouco depois da hora e escolhe uma música para inicialmente dançar sozinha e depois dirigir o grupo.
- Sú, já trocou de roupa? – Sandra pergunta
- Já tô indo! Luzes! Som na caixa!
Suzana se solta completamente em piruetas e bailados jazísticos e as primas, atentas a ela, não reparam que alguém entra e fica maravilhado ao vê-la dançando. Suzana percebe que esta pessoa a está observando muito perto e ao desviar o olhar perde a concentração, tropeçando e caindo. Furiosa, se recompõe enquanto Sônia tira a música.
- Pôxa Rodrigo! ‘Cê tirou toda minha concentração, todo meu embalo!
- Ih...desculpa, não pensei que ia ficar tão chateada! Só tava apreciando a coreografia.
- Ah, mas eu tô criando, não gosto de ser observada assim tão de perto! Me deixa sem graça!
- Tá, Suzana! Se é este o problema, eu saio.
- Ô, Sú, você às vezes é “paquidérmica”, hein? – repreende Sandra, que, com pena, vai atrás de Rodrigo.
- Rodrigo, desculpa a Suzana. Se eu tivesse visto você eu diria pra não ficar tão perto. Ela fica muito sem jeito.
- Tá, tudo bem. Não é por ser assim, mas é pela maneira que ela fala.
- É pra se defender, cara. Ela tá muito insegura. Você vai ao aniversário da Sônia, não vai?
- Vou.
- Então, lá vocês vão poder conversar. Não esquenta com ela.
- Tá, Sandra... ‘brigado pela força.

3 comentários:

  1. Bem,as coisas têm melhorado um pouco na família.Menos a situação do Daniel,que ainda tá complicada.
    A Suzana já se livrou do Bruno,e agora o Rodrigo se livrou também da Adriana.Só dependem deles pra se acertarem agora.
    Quanto ao Genaro,até que enfim vejo uma atitude mais amável dele com a Suzana.Mas parece que ele tá um pouco frio ainda,com o tempo ele aprende a amá-la e tratá-la bem,como uma filha.

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  2. Gostei muito desse capitulo, pq Genaro começa demostrar um pouco de amor com Suzana e ainda viaja com Soraya eles tavam precisando mesmo.

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  3. três super vivas [iupi, iupi, iupi]!! as coisas estão mais claras.. parece q aquelas nuvens grossas e cinzas começam a se dissipar! Graças a Deus!;)
    quanto ao comportamento da Suzana em relação ao Rodrigo, é loucura, mas eu entendo completamente ela... *_*

    "este desejo de te maltratar
    empurra palavras para fora da minha boca...
    E eu te alimento num padrão cíclico...
    Te balanço de um lado para o outro,
    pra cima e pra baixo!
    Bagunço a sua cabeça!
    E mesmo assim... Você ainda está aqui!"

    Espero que o Rodrigo não desista ainda!

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