quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

CAPÍTULO XII

O DEBUT DE SUZANA
Nas duas semanas antecedentes ao seu debut, Suzana fica em intensa atividade e não tem tempo para depressão. Soraya programa para as segundas, quartas e terças-feiras ginástica com o personal trainer e não permite que Suzana exceda o horário de dormir, tirando-a da cama às 8:00 h.
Apesar de reclamar, Suzana aceita, pois sente que a mãe só quer seu bem.
Os preparativos para o debut intensificam-se. Soraya leva a filha para fazer o vídeo e escolhe lindas roupas para esta. Suzana entre outros vestidos usa um vermelho e faz pose com uma mantilha da mesma cor colocando-a ao alto da cabeça com um ventilador em frente. Soraya cuida de cada detalhe.
Chega o tão esperado dia e Suzana fica apreensiva com a festa e também pela volta de Rodrigo. Recebe um cesto de lírios com um cartão no qual está escrito um acróstico:
Sempre na lembrança
Um dia especial
Zunindo como abelha em teu ouvido
Atrás do teu mel quero estar
Nunca te deixarei
Ainda muitas vezes me verás.
Um admirador.
- Engraçadinho! – exclama Suzana, num misto de contentamento e raiva.
- Que foi filha? Não gostou da surpresa? Alguma brincadeira?
- Mãe, o cartão tem um acróstico, mas sabe quem assina? Um admirador! Palhaço!
- Filha, isto é charme pra você! É pra você ficar curiosa. Não leve a mal.
- Tudo leva a crer que seja o Rodrigo.
- Então? Devia se sentir lisonjeada.
- Mãe, o Rodrigo está curtindo com a minha cara! Ele mandou um cartão há alguns dias dizendo que tava saudoso, mas não disse o dia que voltaria.
- Ele quer comprovar se está sendo esperado com ansiedade.
- Malandro! Vai se ver comigo!
Quando fica sozinha, Suzana confidencia-se com seu diário, naturalmente lendo antes o que está escrito no cabeçalho e no rodapé:
“Eu sou a rosa de Sarom, o lírio dos vales”
(Cântico dos Cânticos, 2:1); “Qual o lírio entre os espinhos, tal é a minha querida entre as donzelas (Cântico dos Cânticos, 2:2)”.
Rio, 29 de janeiro de 2002
Meu querido diário:
É engraçado como estes trechos bíblicos falam comigo. É como se eu ouvisse minha mãe ou minha avó me dizendo esta frase acima. Eu me sinto despertando para uma nova fase na minha vida. 15 anos...eu até lembrei de uma valsa que o tio Vitor tem no meio daquelas velharias dele com versos assim: “15 gentis primaveras, sonhos vejo em teu olhar, és a corola entreaberta, ao sol que vem te beijar.” Eu penso muito em beleza neste dia, não só porque eu nasci numa época tão linda do ano que é verão, mas porque o meu nome quer dizer lírio de graça. Por isto que tem esta frase no dia de hoje.
Recebi um cartão que acompanhava uma cesta de flores – que aliás são lírios - com um acróstico no cantinho do cartão está escrito: um admirador. Claro que deve ser do Rodrigo! Os dizeres bíblicos no rodapé me fazem lembrar dele, se bem que ele quer me deixar em suspense e eu estou, como diz o tio Vitor, “paulaça da vida” com ele!
Hoje eu sei que vai estar muita gente que me quer bem e eu quero também, mas para o meu pai, vai ser mais uma oportunidade de fazer negócios.
Minha mãe está curtindo cada detalhe, mas ele não. Ele nunca quis uma filha. Quem sabe um dia ele aprende a gostar de mim?
Mais algumas horas e a festa vai começar. Daqui a pouco vou ter que me arrumar.
Depois conto mais novidades.
Tchau,
Suzana.
As horas passam e chega o momento da festa, convidados chegando.
Soraya faz questão de utilizar-se do buffet de Elisa.
Um telão mostra imagens da vida de Suzana até o momento presente.
É chegada a hora da entrada da aniversariante que vem inicialmente com um vestido decotado de mangas curtas num tom dourado, com seus cabelos penteados para trás e no alto da cabeça uma tiara imitando lírios. Ao ver os presentes, repara que o “trio em R” está desfalcado, pois não vê Rodrigo. Suzana fica mais ansiosa ainda. Na segunda parte da festa, na qual ocorreria a valsa Suzana troca-se e reaparece com um vestido branco de mangas bufantes. Dança com o pai, que durante a valsa comenta:
- Parece uma princesa
O termo “parece”, incomoda Suzana, pois lhe soa irônico. Logo após, valsa com Vitor, com os outros tios, Ricardo Renato e...finalmente para sua surpresa o último par é Rodrigo.
- Bandido! – grita rindo e dando-lhe uns soquinhos no ombro, depois o abraçando.
- Não gostou da surpresa? – pergunta com um olhar malandro.
- Você hein? – Suzana novamente ri, olhando-o atravessado.
Edu e Márcia também convidados, conversam:
- Márcia, que festa, hein?
- Realmente. Bela festa.
- Cada figurão, gente fina é outra coisa.
- Você aprecia isto. O que eu aprecio não é só a beleza da festa, mas o carinho com que foi feita. Eu percebo na Soraya uma mãe muito dedicada e sei que ela está curtindo cada momento da festa, como cada passo que a filha dá, cada segundo de vida dela.
- Mas o pai também deve estar curtindo. – Edu supõe.
- Muito. Olha lá. – Márcia aponta para onde está Genaro rodeado de empresários.
Suzana tenta aproximar-se do pai
- Pai.
- Peraí. –Genaro responde um pouco impaciente.
- Olha o Rodrigo.
- Ah, oi Rodrigo. – Genaro o cumprimenta rapidamente e prossegue o diálogo com o amigo.
- Pai.
- Peraí, tô ocupado.
- Ele me deu um cordão de ouro, ó só. – Suzana segura o cordão no pescoço, tentando fazer com que o pai lhe dê atenção.
- Tá...é lindo, você tem muito gosto Rodrigo. – Genaro olha rapidamente, querendo esquivar-se.
- Meus parabéns, Suzana. – cumprimenta um amigo de Genaro. – Você também está de parabéns, Genaro. Uma linda filha e uma festa maravilhosa.
- Obrigado. – Genaro agradece formalmente ao amigo. - Agora me dêem licença que nós precisamos tratar de uns negócios. – Genaro vai para outro lado, dando a entender que não quer ser interrompido.
Vitor e Soraya assistem de longe a cena e ela percebe muito bem o descaso do marido com a filha.
- Você viu, Vitor? O Genaro tem uma delicadeza paquidérmica, mesmo! Só que o elefante, vai comer a grama, ele e os amiguinhos dele vão “comer a grana!”
- Não adianta se irritar. –Vitor aconselha – Eu dou razão a você, mas acredite, apesar de todas as circunstâncias parecerem contrárias, a Suzana ainda terá o momento que tanto espera do pai.
- Realmente, como você disse, as circunstâncias não comprovam que possa haver uma mudança.
- Se você lembrar como estava a minha vida e da Lelê há 16 anos, vai entender o que estou querendo dizer. Eu sei que você vai dizer que eram pessoas diferentes, eu não acreditava que voltaríamos depois daquela triste separação e um dia tudo se transformou para a surpresa de todos.
- É... Parece difícil que as situações da vida da gente mudem, mas quando vemos as outras pessoas conseguirem o que parece impossível, dá pra ter esperança. Eu amo demais esta menina e me dói ver o pai tão indiferente em relação a ela. Parece contraditório; o Genaro é bom marido, mas é mau pai.
- Eu acredito que alguma coisa vai acontecer pra ele despertar, só não sei o que, quando e como vai ser só sei que vai acontecer. – Vitor afirma
- Que não demore.
- Tudo um dia muda, pode crer. – Vitor fala com firmeza.
Enquanto isto, o champanhe circulava pelos arredores e Suzana tem uma reação estranha ao ver a bebida. Sente um arrepio à altura da nuca, um tremor no corpo, um suor frio e logo que tem a primeira oportunidade, pega rapidamente uma taça sem ser vista e vira-a de uma vez só.
Em outro canto do imenso jardim, Daniel comenta irritado:
- Que saco esta festa! Tô mais é a fim de me mandar!
- Dani, que foi? – Sandra pergunta ao irmão reparando sua irritação.
- Nada não, maninha...
- Você tá tenso.
- Não...impressão sua... – Daniel tenta disfarçar um nervosismo, enxugando o suor na nuca com um lenço.
- Dani, você não tá gostando da festa, né? – pergunta Sandra docemente tocando-lhe no ombro
- Sandra.. por favor, me deixa em paz! - responde um tanto agressivo, desvencilhando-se da irmã.
- Que que há? – assusta-se Sandra ao ver o irmão na defensiva.
- Nada...nada! – Daniel sai apressado e Sandra tenta alcançá-lo, mas não insiste, vendo sua relutância. Este, num impulso incontrolável pega o carro e sai.
Suzana, por sua vez, sentindo-se ignorada pelo pai, fica triste e procura a princípio disfarçar, mas como toda a adolescente, não consegue dominar seus impulsos e vai virando outras taças de champagne em pouco tempo.
Já um pouco "alta", a menina impulsivamente vai até o microfone e faz um discurso:
- Papaizinho querido! Eu quero agradecer esta linda festa! Espero que você tenha se realizado e feito grandes negócios! Te amo!
Genaro ouve indignado as palavras de Suzana, sentindo todo o peso da ironia. Dirige-se à Soraya, que passava pouco depois e não havia ouvido.
- Você ouviu?
- O que?
- A Suzana me ridicularizou.
- Como?
- Ela acabou de fazer uma “declaração” com a maior ironia, agradecendo a festa e desejando que eu tivesse me realizado com os negócios.
- Eu vou tirar da fita.
- Acho bom!
- Apesar de não concordar com a atitude dela, eu sei o que ela deve estar sentindo.
- Sempre se “doendo” por causa dela!
- É? E você que a ignora? Você é responsável por um comportamento destes. Ela está reagindo.
- Ah, é? No fim das contas, a culpa ainda é minha? Quantas meninas teriam o sonho de ter uma festa como esta?
- E quantas não gostariam de ser amadas pelos seus pais? Quero dizer pais, me referindo ao pai de cada uma, porque eu amo profundamente a minha filha. Pelo menos como mãe estou com a consciência tranqüila.
- Ela só piora as coisas fazendo isto!
- E você com o seu gênio melhora alguma coisa?
- Soraya, eu cumpri com minha obrigação de pai, fiz uma festa como qualquer pai faria.
- Genaro, filhos não são só obrigação. São realização, amor, dedicação.
- Você tá romântica demais!
- E você se defendendo demais. Por que não faz um esforço? Por que é tão turrão e não pode reconhecer que está errado?
- Esta menina está muito difícil!
- Genaro, eu não vou mais argumentar, só posso esperar que você reflita. “A esperança é a última que morre”. Eu vou dar atenção aos convidados, com licença.
Rodrigo tira Suzana para dançar e percebe um peso no corpo da menina um andar trôpego e preocupa-se quando esta quase cai, segurando-a:
- Tudo bem, gata? – pergunta franzindo as sombrancelhas com espanto.
- Tudo bem, tigrão, numa boa...você é um gentleman! Obrigada! - Suzana pisca o olho para o garoto que se preocupa ainda mais a ouvindo falar de um jeito mole, já com o lábio inferior pesando por efeito da bebida.
Próxima aos dois, a prima Celinha percebe quando Suzana ao se afastar um pouco de Rodrigo já começa a virar uma outra taça de champagne e apressadamente, vai até a prima para contê-la:
- Chega! Já bebeu demais! – Celinha toma a taça da mão de Suzana - O que está pensando, que está fazendo 21 anos? Você é menor!
- Não enche, Celinha! – Suzana reage com agressividade. – É meu aniversário e eu tô a fim de curtir, tá?
- Você vai é curtir lá em cima comigo! Já está tarde, várias pessoas felizmente já foram embora pra não ver o teu mico. Respeite as pessoas! A vovó está aí, veio especialmente por você! Você quer envergonhar seus pais? Eles não merecem isto!
- Minha mãe não merece... – Suzana reconhece abaixando a cabeça. – Mas meu pai, não tá nem aí pra mim.
- Suzana, direito de ficar magoada, você até tem, mas o erro de seu pai, não justifica o seu. Acima de tudo, ele é seu pai e você deve respeito e obediência a ele!
- Me deixa em paz! – Suzana tenta se livrar da prima que não se intimida.
- Olha aqui, você pode ter 10 cm a mais do que eu, mas eu tenho quase 10 anos a mais que você! Você não me assusta! Vai subir comigo e eu vou lhe meter um café goela abaixo!
- Não! Café não! Eu vomito!
- Então vai pro chuveiro!
- Me deixa, Celinha! – Suzana tenta correr, mas Bertinha também se aproxima e ajuda.
- Sossega, Suzana! – ordena Bertinha. – Nós vamos subir com você. – Bertinha avista Sônia e pede:
- Soninha, avisa pra Soraya que a Suzana está cansada e nós vamos subir com ela.
- Tá... – responde Sônia preocupada.
Ao subir com as primas, Suzana reclama e começa a chorar. As duas a sentam na cama e tentam acalmá-la.
- Suzana, olha pra mim. – Bertinha fala ternamente e ergue a cabeça de Suzana segurando-lhe o queixo.- Priminha, nós queremos ajudar.
- Ninguém pode me ajudar, ninguém! – Suzana desata a chorar
- Suzana, não adianta fazer esta cena. – argumenta Celinha. – Você está sendo infantil.
- Eu sou uma “isca” pros negócios do meu pai! Ele me odeia!
- Suzana, no íntimo seu pai ama você. – Bertinha a consola – Ele só é muito fechado e precisa entender uma coisa que você também precisa: que existe um Deus, capaz de transformar tudo Ele ama você, ama seu pai, ama todos nós.
- Então, porque minha vida é assim? – Suzana pergunta revoltada
- Meu bem, não adianta você se queixar. – Bertinha contra-argumenta - Pra que tudo mude, você tem que parar de pensar que não há problema maior que o seu. Pense em quantas meninas dariam tudo pra ter esta festa que você têve. Sua mãe tá orgulhosa de você. Seu pai também achou você linda, só que ele não sabe expressar isto. Um dia, tudo isto vai mudar.
- Quando? – pergunta Suzana soluçando.
- Quando, nós não sabemos, mas sabemos que tudo é possível ao que crê, né Celinha?
- Com certeza. – concorda Celinha. – Nós oramos sempre por você e vamos fazer isto agora.
Celinha dá as mãos à Bertinha e Suzana e ora. Depois ficam mais um tempo com Suzana que toma um banho e fica mais calma.
Soraya sobe ao quarto para ver a filha:
- Filha, tudo bem?
- Está tudo bem, Soraya – tranqüiliza Bertinha.
- É que a Suzana ficou alegrinha demais. –Celinha entrega.
- Abusou no champagne, hein? – Soraya diz a filha com uma meia reprovação, não querendo ser severa demais
- Nós agora vamos descer pra deixar vocês conversarem. – despede-se Bertinha.
- Parabéns, Suzana. – Celinha despede-se da prima e dá-lhe um beijo. – Juízo, hein, menina!
- Nós te amamos. – Bertinha dá-lhe um beijo também. – Parabéns, também Soraya. – cumprimenta Bertinha quase ao mesmo tempo em que Celinha.
As duas descem e Soraya aproxima-se da filha com carinho.
- Querida, a mamãe te ama. Você ficou linda.
- Meu pai quase não falou comigo.
- Filha, dê tempo ao tempo. Ele também apreciou você, a sua desenvoltura. Você valsou lindamente. Ele tem dificuldades de expressar o amor. Isto vai passar. Agora deita que a mamãe está aqui pra te cobrir “gostosamente”, como diz o tio Vitor.
Suzana dá um meio sorriso um tanto melancólico e deita-se esperando ser coberta pela mãe.
- Eu te amo minha linda.
- Também te amo, mãe. Que bom que você existe.
- É a declaração de amor mais linda que eu já ouvi. Filha, eu sei o que entristece você. Mas lembre-se de tudo de bom que você tem. Durma bem, filha. – Soraya dá-lhe um beijo, apaga a luz e sai.
Na manhã seguinte, tudo volta ao normal no SOLAR CASTELLI. Os empregados arrumam o jardim, o salão da festa e Marisa, Tonha e Angelina preparam-se para ir, não sem antes despedirem-se de Suzana.
- Soraya, não acorda a Suzana, tadinha. – pede Marisa.
- Se eu não chamar, ela não me perdoa. Filhinha...filhinha...
- Hum...hum... – Suzana geme acordando aos poucos.
- A vovó já está indo. – avisa Soraya.
- Vó... – Suzana abraça a avó que se senta na beira da cama. – Vou ficar com saudade. – a menina começa a chorar.
- Como a minha menina está emotiva nestes 15 anos. – observa Marisa. – Querida, a vovó também espera uma visita sua. Faz tempo que você não vai lá em casa, todos estão saudosos. Não fica triste, a gente ainda vai se ver muito.
- Te amo, vó.
- Eu também, meu amor.
Suzana despede-se também de Angelina e Tonha e depois volta a dormir mais algumas horas.
Na sua mansão, Paulo prepara-se para ir ao escritório, quando é interpelado pela esposa:
- Bom dia. – cumprimenta-o séria.
- Bom dia.
- Cadê o Daniel?
- Helô, dá um tempo! Ele tem carro, vai sozinho.
- Vai, ou foi?
- Por quê?
- Por que ele não está no quarto.
- Então, deve ter ido.
- Assim espero. – diz Heloísa desconfiada.
- Helô, eu estou com pressa! – fala Paulo apressado saindo, procurando desvencilhar-se de Heloísa.
Tão logo o marido sai, Heloísa começa a investigar sobre o comparecimento de Daniel à firma, ligando para Telma, funcionária e amiga de sua confiança.
- Alô?
- Telma?
- Sim.
- Sou eu, Helô.
- Oi Helô.
- Como está tudo aí, muito trabalho?
- Bastante.
- Você tem visto o Daniel?
- Eu fico em muitos setores, estou sempre subindo, descendo.
- Telma, eu preciso da sua ajuda.
- Como assim?
- O Daniel está começando numa posição privilegiada. O pai deve tê-lo posto em cargo administrativo.
- Claro.
- O Paulo faz tudo pra que eu não saiba do que exatamente se passa aí dentro. Eu não tenho visto o Daniel sair, porque tenho tido coisas além do meu trabalho para resolver e não me sobra muito tempo pra saber como o Daniel está indo aí. Como eu sei que você é boa profissional e atenta às coisas, eu queria pedir que você observasse como meu filho está se saindo. Fica entre nós duas.
- Helô, não vai ficar chato?
- Você não precisa ficar em cima dele, só observar. O pai dá muito mole. Procure se certificar da freqüência dele. Ele sabe como driblar e pra mim o Paulo faz até vista grossa.
- Eu entendo suas razões. Vou procurar estar atenta.
- Sei que posso contar com você, obrigada querida.
Pouco depois que chega ao escritório, Paulo recebe uma ligação:
- Alô?
- Dr. Paulo da Silva Castelli?
- Sim, sou eu mesmo.
- A secretária já lhe adiantou que é da polícia, não?
- Sim, sim, qual é o problema?
- Qual é mesmo o nome do seu filho?
- Daniel Carajás Castelli.
- Confere.
- O que aconteceu?
- Ele bateu com o carro num outro aqui na esquina de Garcia d’Ávila com Visconde de Pirajá.
- Esta agora!
- O carro dele não sofreu muito dano, mas o outro de uma moça, ficou bem amassado.
- Eu estou indo pra aí.
Paulo sai apressado e recomenda à secretária:
- Dona Jacyra, preciso sair, mas volto. Tenho dois clientes, diga-lhes que vou me atrasar um pouco
- Sim senhor.
Chegando ao local, Paulo repreende imediatamente o filho:
- Seu moleque! O que você aprontou?
- Tá limpo, coroa! É só molhar a mão do guarda! – responde o garoto com deboche.
- Andou bebendo é? – pergunta Paulo irritado percebendo no filho um estado estranho.
- Quem vai pagar este estrago no meu carro? – a moça grita irada.
- Tá limpo, gata! Papai tem “substância” – uma gíria usada pela família referindo-se a dinheiro.
- Se eu não tivesse um nome a zelar, deixava você entrar numa jaula! – Paulo fala com raiva para o filho.
Paulo, dá um dinheiro ao policial e manda um reboque levar os devidos carros para o conserto que se compromete a pagar. O policial aceita o dinheiro, mas adverte:
- Cuidado com seu filho, senhor. Se ele continuar assim, não vai haver carro que agüente.
Chegando ao escritório, Paulo entra apressado com Daniel e tranca-se rapidamente com este, avisando-o:
- Olha aqui, moleque, é a última vez que você me faz passar por uma situação como essa. Se isto se repetir, eu lhe tomo aquele carro.
- Ih, pai...estas coisas acontecem! – Daniel fala fungando muito e com os olhos vermelhos.
- Que que há? Por que está fungando deste jeito?
- Tô resfriado.
- Vai lá pra dentro e dá um jeito nisto. Tá avisado, hein?
- Tá limpo...
Percebendo um clima estranho entre pai e filho, Telma liga para Heloísa.
- Alô?
- Helô, sou eu, a Telma.
- Que houve?
- Não sei exatamente, mas o Dr. Paulo chegou apressado com o Daniel e se trancou com ele no escritório.
- Você reparou se o Daniel chegou agora? – indaga Heloísa.
- Olha Helô, estou sempre em vários setores, mas me pareceu que o Daniel chegou agora e que o pai foi pegá-lo.
- Qualquer coisa, torne a me falar.
- Tá, tchau.
- Tchau.
Desconfiada das atitudes de Daniel, Heloísa continua a vigiá-lo de longe. No dia seguinte, vai à firma de surpresa. Paulo a recebe surpreso:
- Helô? Você por aqui?
- Sim. Por que o espanto?
- Nada...você não costuma aparecer, muito menos de surpresa.
- Eu tinha uma coisa para resolver e aproveitei pra passar por aqui. Cadê o Daniel?
- Ele...foi fazer um serviço extra pra mim, foi entregar uns documentos.
- Sei...ele demora?
- Deve demorar.
- Tá... – Heloísa fica mais desconfiada. Eu vou ficar mais um pouco. Vou falar com o pessoal.
Heloísa quase se retira quando lembra de indagar:
- Eu não vi Daniel com o carro dele hoje. O que houve?
- Ah...um pequeno defeito...tá na oficina. – Paulo justifica sem jeito.
- Sei... – Heloísa engole em seco desconfiada. – Bem, tenho que ir. Tchau.
- Tchau.
No Solar, Soraya percebe a apatia na filha e a coloca novamente em atividade, fazendo ginástica dois dias depois do aniversário e cobra suas responsabilidades com o “filhinho” Lalau. Após o passeio com este, Suzana está no jardim, com este no colo, sentada num banco, “conversando” com ele.
- Lalau, querido. Você é até mais rejeitado que eu. Meu pai não gosta de mim, não vai gostar do meu filho.
Soraya preocupa-se com o estado da filha e vendo Sandra tem uma idéia:
- Sandra, liga pro Rodrigo e pede pra ele vir aqui.
- Ah, já entendi. – Sandra deduz a razão do pedido ao ver a prima apática.
Sandra liga para Rodrigo que uma hora depois, chega segurando um buquê de lírios. Aproxima-se devagar e encontra Suzana no mesmo local com Lalau no colo e cabisbaixa.
- Oi. – Rodrigo a cumprimenta. Suzana ouve, ergue a cabeça e levanta-se adquirindo um novo ânimo.
- Rodrigo! Que surpresa... – Suzana sorri.
- Pra você. – Rodrigo oferece as flores.
- Obrigada. – Suzana agradece dando-lhe um beijo no rosto - São lindas. Vem cá, senta aqui.
- Eu sei que você gosta de lírios. Seu tio Vitor disse o significado do seu nome.
- É... – Suzana sorri e abaixa a cabeça, num gesto próprio de timidez de adolescente.
- Tá tudo bem gata?
- Tá...
- Mesmo?
- Eu...eu quero agradecer sua presença na festa. Me desculpe... sei que abusei da champanhe.
- Um pouquinho.
- Você quer dizer que eu não fiz o mesmo vexame do Reveillon.
- Suzana, pensa nas coisas boas. Você parecia uma princesa na festa. Tava linda!
- Tá...eu tava “Bela” hoje tô “Fera”.
- Sua auto-estima tá muito baixa.
- Você não viu o descaso do meu pai comigo? Tirou foto e dançou a valsa comigo por obrigação. A festa foi uma estratégia. Eu servi como isca pros negócios. Rodrigo...meu pai não gosta de mim...não gosta... – Suzana abaixa a cabeça e quase chora.
- É gata... Você tem suas razões de estar magoada, mas o que você falou no microfone foi provocação.
- Eu tô cheia!
- Mesmo assim, você não devia agir daquela forma.
- Pra você deve ser fácil falar.
- Suzana, o meu pai também não é muito atencioso. Não é de fazer elogios.
- Não deve ser como o meu. Além do mais, você vai perpetuar o nome dele, vai levar os negócios dele pra frente. Você é homem.
- Eu não quero seguir a mesma carreira dele. Prefiro as áreas humanas. Ele pode até achar que eu vá mudar de idéia, mas não vou.
- É... Você parece que gosta de ouvir as pessoas. Eu só acho que comigo você perde tempo. Eu sou muito complicada.
- Eu tenho atração por pessoas complicadas –Rodrigo brinca.
- Ah! Deixa disto! –Suzana ri.
- É sério. Por que você não procura ver a vida e as pessoas de outro jeito? Se o seu pai não liga pra você, quem perde é ele; você é linda...
- Para de falar assim, Rodrigo. – interrompe Suzana, enrubescendo. – Você me deixa cheia de vergonha.
- Fica mais linda ainda, vermelha assim.
- Para! – Suzana dá um tapinha no ombro do garoto, rindo e ficando ainda mais sem jeito.
- Suzana... – Rodrigo segura sua mão.
- Você é especial, sensível. É uma garota como poucas existem.- Rodrigo segura sua mão com carinho
- Tá querendo me agradar. – Suzana fica quase paralisada, dominada pela emoção
- Não, não quero não. Você e suas primas são diferentes das outras garotas. Meus primos também comentaram.
- ‘Brigada...agradeço em nome das minhas primas também...Ai! - Suzana sente-se mal tocando-se na altura do ventre.
- Que foi? – Rodrigo impressiona-se. – Tá passando mal?
- Eu...ai...que chato! – reclama Suzana, envergonhada.
- Suzana, eu posso ajudar?
- Ai...Rodrigo, desculpe...eu...
- Suzana, você tá me assustando.
- Rodrigo, você é um garoto, eu sou uma garota, sinto coisas que você não sente.
- Bem... – Rodrigo então entende que a menina passa por um momento desagradável, comum ao sexo feminino
- Rodrigo, se você quiser ir embora, não se prenda por minha causa. Só peço que chame o Alfredo e as minhas primas pra me ajudarem.
Rodrigo chama Alfredo que sempre atencioso com Suzana a ampara acompanhando as primas desta e a leva para seu quarto. Depois, Soraya vai ver a filha e Rodrigo é convidado a entrar no quarto, com a presença de Soraya, Sandra e Sônia que a paparicavam devido ao seu mal estar.
- Tá melhor? – Rodrigo pergunta
- Tô, ‘brigada. Desculpe o susto, tem coisas que às vezes a gente não tem como controlar.
- Suzana, eu tenho uma coisa pra você, é mais um presentinho pra marcar estes 15 anos.
- É? – Suzana anima-se. – Chega aqui. – Suzana chama Rodrigo batendo na cama, convidando a sentar-se na beirada.
Rodrigo delicadamente senta-se e mostra uma caixinha à Suzana.
- O que é? – Suzana fica excitadamente curiosa.
- Abre. – Rodrigo entrega-lhe na mão a caixinha, com expectativa. Suzana abre.
- Um CD? Que músicas tem?
- Tem várias, mas quero que ouça a primeira com atenção, porque tem uma mensagem pra você refletir.
- Como assim?
- É uma música já um pouco antiga, mas fala que não devemos nos prender ao passado.
- ‘Brigada, Rodrigo! – Suzana num impulso abraça-o, depois recua envergonhada.
- Desculpe.
- Desculpe por quê? Eu gostei muito.
- Ah, Rodrigo... – Suzana dá-lhe um tapinha no ombro. - Você sabe me deixar sem jeito, hein?
Depois das despedidas, Soraya acompanha Rodrigo até o lado de fora e conversa com ele:
- Rodrigo, na próxima 5ª feira, eu vou com ela e as primas pra nossa casa em Angra. Eu gostaria que você fosse com seus primos no dia seguinte de surprêsa para as meninas. Tá combinado, ou já tem algum compromisso?
- Nós vamos com prazer!

sábado, 9 de janeiro de 2010

CAPÍTULO XI

O SUSTO
No Solar Castelli, tudo parece voltar ao normal, pelo menos para Soraya e Suzana – após a fatídica entrada de ano. Sérgio viaja no dia 02, com volta prevista para o dia 04.
Genaro, com previsão de novos negócios, faz um convite à Soraya:
- Bom dia, amor.
- Bom dia. – responde Soraya.
- Eu gostaria de lhe fazer um convite.
- Convite? Que honra para uma pobre marquesa!
- Eu tenho um grande negócio pra fechar e gostaria que me acompanhasse numa viagem a São Paulo.
- Lamento querido, mas não vai dar.
- Como não vai dar? Por quê?
- Genaro, se você fosse um pai mais presente, verificaria que sua filha está em depressão. Você não pensa em levá-la e nem seria bom pra ela. Precisa estar aqui, com as primas.
- Soraya, esta menina está é de frescura! Que história é esta de depressão?
- Não adianta argumentar com você, hein, carcamano?! Parece seu tio Francesco! Ou a pessoa tá de frescura, ou tá pinel de vez!
- Ela tem tudo: boas roupas, motorista que leva pra onde quer, piscina, quadra de tênis, estuda num dos melhores colégios da Barra, tem TV a cabo, internet...
- Tudo isto, mas tem faltado o principal.
- O que é o principal?
- Amor. Amor de pai.
- Ih... Amor é muito bonito em contos de fada, nos filmes, mas não educa, não disciplina. Ela já é paparicada demais!
- Por você ela é ignorada demais e isto dói em qualquer filha! Saiba que eu até hoje sinto a falta de um pai. Minha mãe foi uma mãe maravilhosa, com todas as limitações que tinha por ter sido de uma origem pobre. Mas me ensinou a viver, a lutar e vencer. Fez tudo pra suprir a falta de um pai que pode até ser vivo e nem saber até hoje que tem uma filha. Apesar dele ter deixado minha mãe aos 17 anos, grávida, sem apoio, eu até hoje quero saber quem ele é ou foi.
- Por que você está dizendo isto?
- Por que você tem uma filha, sabe que ela existe, ela sabe quem você é e ama você apesar da sua indiferença.
- Eu vou viajar sozinho mesmo, você é uma chata!
- E você é um insensível! Vai! Vou tirar umas férias de você!
Na casa de Heloísa e Paulo, o segundo dia do ano começa com novas determinações. Paulo está quase pronto para sair e Heloísa o interpela:
- Aonde o Senhor vai?
- Aonde eu vou todos os dias de manhã? Dá um tempo né, Helô!
- Não está esquecendo de nada?
- Eu? Ué! De que eu poderia estar esquecendo?
- Não é de que e sim de quem.
- Quem?
- Paulo, Paulo, Paulo! Você está fazendo hora com a minha cara?!
- Por que você está falando assim?
- Seu bananão! Não lembra do que eu falei sobre o seu filho?
- Nosso filho! – corrige Paulo.
- Agora você lembra! Bem, antes tarde do que nunca!
- Ah, você quer que eu o acorde?
- Não. Quero que você o deixe na cama até à tarde, que ele saia de moto, fique fora dois três dias. – responde ironicamente.
- Daniel! Daniel! Abre a porta garoto! - Paulo vai bate na porta do quarto do filho.
- Ai, pai, não enche!
- Bananão! – Heloísa reclama – Não tem autoridade com seu filho?
- Ele não é criança!
- Mas você ainda o sustenta! Eu o chamo! Sai da cama, garoto! – Heloísa grita batendo na porta – Você vai com seu pai para a firma! Se não quiser abrir eu chamo um arrombador!
- Ih, tá coroa, eu já vou!
- Olha aqui menino, eu só não digo que coroa é sua avó, porque uma já morreu e era minha mãe e outra eu prezo muito! Levanta menino! – Heloísa berra.
- Ai, tá bem, vou levantar pra ter sossego!
- Acho bom! – Seu inútil! Heloísa fala para Paulo com desprezo
- Graças a minha inutilidade todos tem o conforto que tem aqui!
- É! Conforto não é sinônimo de moleza! Se você pensa que ser pai presente é só botar dinheiro em casa, eu só posso lhe dar os pêsames! Daniel! Eu dou 10 minutos para você levantar, se meter no chuveiro, se vestir e ir com seu pai para a firma!
- Tá, mãe! Eu me rendo 3ª Guerra Mundial!
- Brinca bastante, seu moleque, que o que você ainda vai ver é a 2ª Bomba de Hiroshima!
- Você trate de esperá-lo – Heloísa adverte Paulo - Estou atrasada, vou sair com a Lúcia.
Após algum tempo de espera, Daniel acompanha o pai à firma. O trio em S, aproveita o dia de sol para andar de bicicleta próximo ao condomínio.
- Dá pra atravessar agora? – indaga Suzana
- Acho que dá – responde Sandra – Vamos.
Sônia, porém, não atravessa no mesmo ritmo que as primas e para alcançá-las corre mais um pouco e não percebe um carro que chega na disparada e a derruba fazendo-a bater com a cabeça no meio fio e desmaiar.
- Sôniaaaa! - Suzana grita apavorada ao ver a prima no chão. Sandra, embora assustada, tenta se conter para acalmá-la.
- Ela tá respirando, Sú...Só desmaiou.
- Mas ela tá ferida! A cabeça tá sangrando!
- Não fica com medo, Sú, ela bateu com a cabeça, mas vai ficar boa.
- O que nós vamos fazer? – pergunta Suzana aos prantos.
- Eu ligo do meu celular pro da tia Soraya. Ela saiu, mas não foi longe.
Sandra liga para a tia que se apressa em ir ao local ajudar. Soraya preocupa-se. Suzana aparentava estar melhor da depressão, mas este choque a faria despencar outra vez. “Graças a Deus não viajei com o Genaro”. Pensou. Chegando ao local, a apatia da filha a assusta. Suzana fica sentada no meio fio paralisada com os olhos vidrados. Sônia continuava desacordada, o que preocupava a todos. Sandra, com muita iniciativa ligou para a ambulância do corpo de bombeiros e os primeiros socorros seriam prestados. Ao levar as meninas no carro para ir ao hospital, Soraya se vê obrigada a parar num dado momento em que a filha tem uma crise nervosa. Salta do carro e vai até o banco traseiro segurando a filha firmemente pelo rosto para fazê-la reagir e se acalmar.
- Minha filha, não vai adiantar se desesperar. Eu entendo que esteja sofrendo, mas a Sandra também tá e consegue se conter por amor a você. Querida, na vida você vai precisar se dominar muito diante de outras situações piores que ainda venha a passar. Não sabemos ainda de nada, mas pode não ter sido uma coisa tão grave. Filha, eu passei por uma dor terrível: perdi minha mãe com câncer e ela tinha só 41 anos. Logo depois eu ganhei um presente: você. Perdi minha mãe, mas ganhei você. Minha filha.
Soraya observa que devido ao nervosismo a regra de Suzana veio e avisa:
- Bem, você não vai poder entrar no hospital. Sandra fica com ela, por favor.
Soraya trata dos detalhes mais urgentes de internação no hospital e depois deixa as meninas em casa. Lúcia, sem saber de nada, chegava com Heloísa de uma entrega de donativos à uma instituição. Ao saber, fica desesperada.
- Meu Deus, minha filha!
- Vamos ter fé, Lúcia. Não deve ser coisa grave. –Soraya argumenta.
- Eu vou pro hospital com você Lúcia. –Heloísa oferece-se
- Você vai agora, depois vou eu e fico Helô, não precisa deixar de fazer o que precisa, tudo se concilia. - também oferece Soraya – Eu vou pedir ao Alfredo pra levar as meninas pra casa do Vitor. Nós vamos no meu carro.
Suzana e Sandra vão para a casa de Vitor que a princípio se alegra ao vê-las.
- Que houve? O Trio em S desfalcado? Cadê a Sônia? – Vitor estranha a ausência de Sônia
- Ai...Tio... – Suzana chora e joga-se nos braços de Vitor.
- Suzana, não assusta o tio Vitor! – Sandra repreende.
- Gente, o que está havendo? – Todos entram, Vitor dá um copo com água para Suzana e Sandra conta o ocorrido.
- Meninas vamos confiar em Deus. É muito desagradável, é preocupante, mas vamos crer que existe um Deus maior, que dá livramentos. Vamos orar.
No Solar Castelli, Lúcia passa em casa enquanto Soraya fica alerta no hospital. Sobe até o quarto de Ivan e encontra-o jogando no computador.
- Ivan, eu preciso falar com você.
- Fala que eu tô ouvindo. – Ivan permanece com os olhos pregados no computador.
- Ivan é sério. – Ivan continua com olhar fixo na máquina e Lúcia prefere ir direto ao assunto para despertar sua atenção.
- Sua irmã sofreu um acidente.
- Legal... – responde Ivan.
Lúcia se estarrece com a alienação do garoto e grita:
- Ivan, eu disse que sua irmã sofreu um acidente! IVAN!!! – só então Ivan percebe o que a mãe está falando e quase pula da cadeira quando esta olha indignada para ele, parecendo que vai agredi-lo.
- Mãe...
- Não vou bater em você, garoto! Só estou abismada como você pode ficar tão alheio ao que acontece à sua volta! Eu estou cheia de carregar tudo nas minhas costas e não conseguir fazer você parar com esta mania de joguinhos! Você vai desligar agora esta porcaria! Chega!
No mesmo dia, Sérgio chega de viagem. Vendo-o sentado na sala, permanece fria, mal o cumprimenta.
- Lúcia, oi, né?
- Oi.
- Que é que há? Que cara é esta? – Lúcia continua calada esperando que Sérgio pergunte por Sônia. – Está tudo bem? Algum problema? Cadê os meninos?
- O Ivan está lá em cima.
- E a Sônia?
- Não está.
- Está na casa do Genaro?
- Não.
- Na do Paulo?
- Não.
- Então, está na casa do Vitor?
- Também não.
- Ué...Então foi à casa da minha mãe?
- Também não!
- Então...Onde ela está?
- Ela está no hospital! –Lúcia responde berrando com raiva.
- O que?! – Sérgio levanta-se da poltrona em que estava sentado estupefato.
- Você não para mais em casa, não quer saber de mais nada! É tudo nas minhas costas! Estou farta! Sempre os negócios, as compras, as vendas, as construções!
- Lúcia, quer parar de reclamar e dizer o que aconteceu?!
- Ela estava andando de bicicleta e foi atropelada. Bateu com a cabeça.
- O estado dela é grave?
- Ainda não tenho os resultados. Está desacordada, em observação.
- Vamos pro hospital.
No hospital, todos aguardavam resultados. Sérgio está apreensivo quando o telefone celular toca.
- Alô? Você? Já não disse pra não ligar pra este número? Fora de área? Por que não esperou? Eu deixei bastante dinheiro. Leve-a ao médico ou chame em casa. Agora não posso falar, aconteceu um problema sério. Ligo mais tarde pelo outro celular. Não ligue mais pra este, entendeu? – Sérgio assusta-se ao ver Soraya.
- Que foi, Sérgio?
- Hã? Não...Nada.
- Você parecia tão nervoso ao telefone.
- Sabe como é... Negócios, o trabalho não para.
- É Sérgio...Mas, procure ter um pouco de tempo pros seus filhos, sua esposa. A Lúcia está muito estressada com a responsabilidade que está redobrada e deveria ser mais dividida.
- Eu...Eu vou procurar estar mais presente.
- Eu não estou falando pra me meter. Sou pela paz. Você precisa de umas férias, Sérgio. Nem que seja por uma semana ou por uns três ou quatro dias, sei lá.
- É... Tem razão. Vou pensar nisto.
- Não pense, faça.
Na casa de Vitor, Suzana e Sandra esperam ansiosas por uma notícia.
- Tio será que ela vai ficar boa? - Suzana pergunta.
- Eu já entreguei nas mãos de Deus, vai correr tudo bem.
- Mas ela teve um corte na cabeça, ficou desacordada.
- Ninguém esperava, é claro, mas para você ter uma idéia de como Deus pode dar livramentos, eu mesmo levei um tombo de bicicleta duma altura onde caiu outro rapaz que ficou engessado. Eu não sofri nada.
- Pôxa!! – Suzana e Sandra exclama juntas.
- Por isto mesmo eu sei que vai tudo dar certo. Ela vai ficar boa. – Vitor acaba de falar e o telefone toca. Helena atende, fala rapidamente e dá a boa notícia:
- Gente está tudo bem.
- Como é que ela tá, tia? –Suzana pergunta aflita
- Ela só precisou fazer uma sutura na cabeça, porque abriu um pouco do lado...
- Um pouco?! Tava a maior sangueira! –Suzana enfatiza
- Não interrompe a tia Helena, Suzana! – Sandra a repreende
- Desculpa... – Suzana se contem abaixando a cabeça.
- Ela teve também uma luxação, vai ficar uns quinze dias com a perna imobilizada.
- Tadinha... – Suzana lamenta
- Ô, Sú, se anima! O pior já passou. Depois de um susto destes, eu acho isto um milagre! – Sandra avalia.
- Ah, mas ela vai ficar um tempão com a perna paralisada. – Suzana lamenta-se outra vez.
- Querida, no seu debut ela estará em forma. A Sandra tem razão, para a gravidade do acidente, foi realmente um milagre.
- Ai, tio, eu fico com pena. – Suzana continua triste.
- Nós vamos ser solidárias com ela. Vamos fazer companhia até que ela fique boa. – sugere Sandra. – Ela nem vai sentir o tempo passar.
- A solidariedade nestes momentos é importante. Vocês ficam um pouco mais com ela, sacrificam-se um pouco e ela se sentirá melhor. – concorda Vitor. – Você, minha Morena Grau 10, está como um trecho da Palavra de Deus que diz: “Ó tu aflita, arrojada com a tormenta e desconsolada! Eis que eu assentarei as tuas pedras com argamassa colorida e te fundarei sobre safiras” (Isaías, 54: 11).
- Ai, tio, que linguagem mais complicada! – Suzana faz uma careta estranhando.
- Vou traduzir: no que se aplica a você no momento, isto quer dizer que um brilho de alegria vai se acender novamente nos seus olhos. As pedras preciosas como as safiras, brilham.
Vitor, como um bom jardineiro de Cristo, encontra um momento propício para regar as suas flores, para que a Palavra de Deus cresça nelas.
Nos dias que se seguem, Soraya se divide-se entre os preparativos para os 15 anos de Suzana e atenções à Sônia, que então seria paparicada por todos.
Apesar de um pouco chateada, Sônia reconhecia as vantagens em estar com a perna imobilizada. As primas desdobram-se em atenções; a mãe, não sai mais de casa em hipótese alguma e o irmão passava a ser mais gentil, mesmo às vezes reclamando ou implicando, o que é natural na idade. Por fim, seu pai adiara toda e qualquer viagem que pudesse aparecer, dando-lhe atenção com raramente dava. Apesar de bom pai, ela nunca o sentira tão presente como no momento. Recostada todas as manhãs de sol na espreguiçadeira, com a perna esticada, Sônia, com a caneta em punho e diário na mão, tem como companhia a mãe. Soraya estava perto cuidando das plantas e Suzana, após cumprir sua rotina da manhã com o “filhinho” Lalau, corre até a prima:
- Bom dia Soninha. – Suzana beija carinhosamente a prima.
- Bom dia Sú.
- Você tá bem?
- Tô, obrigada.
- Esta almofada tá meio torta, deixa eu ajeitar.
- Não precisa, Sú. – mesmo com a insistência de Sônia, Suzana desdobra-se em cuidados e ajeita a almofada da prima até que lhe pareça perfeitamente colocada. Olha ternamente para Sônia, que beija-lhe a testa, agradecendo.
- Obrigada priminha, você é um amor.
- Fica boa logo, Soninha. Você tem que dançar a valsa nos meus 15 anos.
Lúcia fica tão comovida ao ver o carinho de Suzana para com sua filha que nem se aproxima, considerando o momento das duas. Suzana sorri para a tia e diz às duas:
- Eu preciso dar uma descida, mas daqui a pouco volto.
Soraya que assistia a tudo, sobe
- Como é que está a bonequinha ruiva? – Soraya pergunta.
- Tudo bem tia, obrigada.
- Soraya, eu fiquei tão sensibilizada com a Suzana. –Lúcia aprecia - Que cuidado. Parabéns pela sua filha.
- Obrigada Lúcia. Há males que vem pra bem. A Suzana está mais prestativa, atenciosa.
- É... a gente aprende com as situações mais desagradáveis também. – Lúcia concorda.
- Elas estão mais unidas, Lúcia.
- É bom ser unido, principalmente na dificuldade. O Ivan, está melhor com ela. O Sérgio adiou as viagens.
Enquanto as duas conversam, Sônia abre seu diário e vê os dizeres acima: “Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal, preferindo-vos em honra uns aos outros. (Romanos, 12: 10). Logo abaixo, outro trecho: “E não cansemos de fazer o bem, porque a seu tempo ceifaremos, se não desfalecermos.” (Gálatas, 6: 9). Animada pelas palavras, Sônia escreve.
Enquanto Sônia está escrevendo, Soraya vê no jardim Sandra e Suzana, percebendo uma tristeza no jeito da filha que entra dentro de casa.
- O que foi Sandra? – Soraya pergunta
- O Rodrigo ligou pra ela dizendo que ia visitar a irmã em São Francisco e não deu certeza de vir pro aniversário.
- É? Pois pra mim ele tá fazendo charminho.
- Concordo, tia.
- Se ela pensa que vai ficar em deprê até ele chegar, tá muito enganada. Eu vou ocupá-la até o dia do debut. Ela não vai ter tempo de se lamentar.
Rio, 10 de janeiro de 2002
Meu querido diário:
Faz quase uma semana que estou com a perna imobilizada. É engraçado que eu estou mais para feliz que para chateada. Nem eu mesma entendo. Acho que cada página que abro é uma confirmação do que estou sentindo. O que eu li acima e abaixo, foi profundo para mim. Eu estou aqui, sem poder andar de bicicleta, sem curtir a piscina, mas sou paparicada por todos. Meus pais me tratam como um bebê, até meu irmão está melhor comigo. Meus avós maternos ligaram de São Paulo e minha avó Marisa de Petrópolis. Mesmo os que estão longe parecem tão perto. Como é bom sentir este amor. O Alfredo quando sai, pergunta sempre se eu quero alguma coisa. O Renato liga todos os dias e hoje já ligou.
Em breve terei mais novidades. O debut da Suzana está perto e até lá, eu já estarei bem.
Té mais, diário
Sônia.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

CAPÍTULO X

ANO NOVO, VIDA NOVA?
Amanhece. Suzana acorda tonta. Leva a mão à cabeça, sentindo-a mais pesada que o resto do corpo pela ressaca. A porta se abre lentamente e a mãe entra com Odete trazendo uma bandeja.
- Feliz ano novo, minha filha querida!
- Obrigada, mãe, pra você também. Mãe me perdoa pelo que eu fiz. Eu quero ser uma filha melhor este ano.
- Que é isto, meu amor? Você já é uma filha maravilhosa!
- É uma netinha adotiva maravilhosa também – diz Odete apoiando a bandeja na mesinha do computador - Deixa eu dar um abraço de feliz ano novo em você.
- Gente, eu não mereço isto. – emociona-se Suzana.
- Merece sim, querida! Para de se colocar pra baixo! – anima Soraya.
- É Suzana, não pensa mais nisto. – concorda Odete – Olha pra frente. Você já despertou um coração!
- Ai, nem fala. Eu fui horrível com ele.
- Ele vai ligar pra você. – Soraya avisa.
- Eu não vou ter cara pra falar com ele.
- Se ele vai ligar, você não precisa ter cara, você tem boca, fala! – Odete encoraja. – Bem, eu vou descer, tenho coisas pra fazer, vou deixar vocês conversarem. – Odete dá um beijo em Suzana e dirige-se à porta.
- Tchau, vó, obrigada. – Odete dá um sorriso e fecha a porta.
- E aí, filha, você dormiu bem?
- Mais ou menos. Cadê o meu pai?
- Como diz seu tio Vitor, está no paraíso dos sonhos!
Suzana ri com a mãe.
- Que sorriso lindo você tem, filha! Assim que eu gosto de ver.
- Cadê as meninas?
- Na casa do tio Vitor, foram há pouco.
- Vigaristas! Não me chamaram?
- Você dormia profundamente, elas chegaram a pedir pra eu olhar se você já estava acordada. Quer ir lá? Eu levo!
- Tá.
Toca o telefone e Soraya atende.
- Alô?
- Dona Soraya.
- Oi, Rodrigo! Feliz ano novo, querido! Paz, saúde, alegria!
- Pra senhora também! Está tudo bem aí!
- Tudo ótimo! Melhor agora que você ligou!
- A Suzana, como está?
- Está aqui ao meu lado e é claro que você quer falar com ela, né?
- Gostaria, ela pode falar?
- Claro, querido, um beijo!
- Outro pra senhora, Dona Soraya.
- Obrigada, tchau!
Suzana fica em pânico, sussurrando
- E agora... Por que você me passou o telefone?
- Fala com ele. –Soraya insiste, também falando baixinho.
- Ai, meu Deus... – mesmo relutante Suzana atende, gaguejando.
- A-alô?
- Oi, gata...Feliz ano novo, tudo o que há de bom pra você.
Suzana não agüenta, pois se sente a pior das criaturas pela forma que havia tratado o garoto e começa a chorar descontroladamente.
- Eu...Eu...não mereço que você ligue pra mim com este carinho todo depois do que eu fiz com você! Que vergonha!
- Gata... Não fica assim! Já passou, você não tava bem, eu entendi.
- Ai...Me perdoa!
- Está tudo bem. Eu não estou pensando nisto. Pôxa, se eu soubesse que você ia ficar assim, teria esperado pra ligar. Por favor, se acalma.
Conhecendo bem sua filha, Soraya acha graça de seu jeito dramático e pede licença quase rindo:
- Filha, deixe eu falar um pouquinho com ele? Você se acalma, respira fundo e volta a falar.
- Minha mãe quer falar com você.
- Tá.
- Oi, Rodrigo. Olha, eu desejo mais uma vez um felicíssimo ano novo a você e agradeço muito pelo carinho pela minha filha. Não liga pra este drama que ela está fazendo, ela é uma “esquizofrenética!” – fala rindo.
- Mãe!! –Suzana exclama num tom ao mesmo tempo sem graça e de repreensão à mãe, ainda chorando.
- Ela vai voltar a falar, tchau querido! – passa o telefone para a filha e recomenda: Se acalma, respira fundo.
Suzana refaz-se e atende novamente.
- Oi.
- Tá mais calma?
- Tô.
- Se você fica mais tranqüila, eu perdôo você. Mais uma vez, feliz ano novo.
- Pra você também.
- Um beijo.
- Outro. Tchau.
- Tchau. – despede-se Rodrigo.
- Então? Vamos? – Soraya anima a filha.
- Vamos.
- Veste uma roupa alegre! Tá sol! O que você acha deste vestidinho estampado aqui? – pergunta abrindo o armário - Antes, toma o suquinho de frutas que eu trouxe e o comprimido pra dor de cabeça. Depois toma um banho e vamos, tá?
- Tá.
Sandra e Sônia chegam à casa de Vitor levadas por seu fiel motorista Alfredo e acompanhadas de Heloísa. Vitor vai recebê-las fora da casa:
- Oi, queridas! Feliz ano novo!
- Oi, tio. – respondem as duas.
- Que houve? O trio em S está desfalcado? Cadê a Suzana?
- Ai, tio... – Sandra abaixa a cabeça reticente
- Que foi? – pergunta Vitor com um tom desconfiado.
- É que...Ela...Ah! A gente não consegue esconder nada de você mesmo! Ela tá de ressaca!
- Ressaca?! Está dando pra beber agora?
- Pois é, tio. A gente não entendeu, mas aconteceu alguma coisa que a perturbou e ela tomou o maior porre. Ela sumiu pouco antes de dar meia noite e quando apareceu, exatamente quando os fogos tavam estourando, ela tava num estado horrível, fazendo palhaçadas, foi muito chato! – Sônia relata.
- Genaro viu?
- Graças a Deus, não! – responde Sandra – Eu e minha mãe conseguimos levá-la pra cima enquanto Sônia chamava a tia Soraya.
- Ela deve ter ficado deprimida depois, não? –Vitor pergunta deduzindo
- A tia Soraya ficou com ela e disse que ela chorou até dormir. – conta Sandra. – Eu e minha mãe a jogamos na água fria, demos café preto até que ela chegasse.
- Vocês são maravilhosas.
- Oi, cunhadão! Feliz ano novo! - Heloísa entra com Patty que estava andando de bicicleta.
- Oi, Lolô! – abraça a cunhada.
- Estávamos nós, eu e a Patty, aqui fora papeando! Eu estava comentando como nós nos conhecemos.
- É... – Vitor dá uma gargalhada.- Eu pensando que você fosse a Lelê!
- Também, a mamãe nos vestia iguais!
- Bons tempos, hein, Lolô?
- É...Hoje eu vejo esta gatinha aqui – fala abraçando a sobrinha – e fico pensando: Com quem será que vai brigar? A quem vai chamar de mal educado?.
- Já chamei vários meninos! Estes garotos daqui da rua são uns metidos!
- É...Mas vai aparecer um que será tão mal educado quanto eu fui! – brinca Vitor.
Todos entram e Helena logo indaga após cumprimentar a irmã e as sobrinhas:
- Que houve? Cadê a Suzana?
- Ai... Vou ter que explicar tudo outra vez – reclama Sandra.
- Deixa comigo. Lelê eu quero falar com você. – Heloísa pega apressadamente a irmã pela mão, levando-a para outro canto da sala.
- Lolô, você está me assustando!
- Senta aqui – chama Heloísa.
Heloísa relata rapidamente o ocorrido e Vitor participa da conversa
- Estou pensando em convidá-la pra ficar uns dias com a gente, Lelê. – sugere Vitor.
- Vitor, a vontade que tenho é de chamá-la pra morar com a gente!
- Ela não vai querer, nem a mãe.
- Bem queridos, - opina Heloísa – a situação está tomando uma proporção muito grande. O que ocorreu foi a gota d’água. A Soraya não me contou porque foi um assunto entre mãe e filha e eu tinha que respeitar, mas sei que foi por causa do Genaro.
- Ele é tão frio com ela. – lamenta Helena.
- Se não conseguimos fazer com que ele mude, temos que pelo menos pensar em uma saída para que isto não venha a prejudicá-la mais. Ela está sofrendo muito. – Heloísa preocupa-se.
- Nós devemos tratá-la com muito amor, mas de uma maneira normal. – Vitor é objetivo.
- Mas nós a tratamos de maneira normal. – retruca Heloísa.
- Não Lolô, – intervem Helena – Ele quer dizer que não devemos supervalorizar seus problemas, como se ela fosse uma doente.
- A doença existe, mas é na alma. – analisa Vitor - Suzana precisa de cura interior. Ela até sabe que é amada, mas o fato de não se sentir amada pelo pai, está mexendo muito com a sua auto-estima.
- Eu achei que foi um pedido de socorro, tipo: Oi, estou aqui!. – observa Heloísa
- Ela quis que o pai a visse assim. – Vitor constata.
- Com certeza, ela até falou isto pra Sandra quando esta tocou no nome dele. – Heloísa lembra.
- Olha, gente, eu sei que adolescentes agem muito por impulso, mas não vejo com o mesmo extremismo que papai via. – recorda Heloísa – Não lembra, Lelê?
- Adolescente age como bicho! – recorda Helena imitando o pai.
- Ele não pensou quando disse isto. – Heloísa analisa.
- Eu não concordava na época, mas hoje, em alguns aspectos, acho que ele tem razão. – Helena coloca.
- Ih...Pelo seu olhar isto parece indireta. –Heloísa desconfia.
- Você sempre foi muito geniosa, não é 3ª Guerra Mundial?
- Você também. – Lembra Heloísa.
- Eu fui adolescente igual a você, mas sempre pensei um pouco mais, você era mais impulsiva. – recorda Helena.
- Especialmente quando eu desafiei as duas –Vitor lembra de um episódio de briga entre os três na infância.
- Nós ainda éramos crianças – Helena lembra achando graça.
- É, mas a Lolô não mudou muito na adolescência – avalia Vitor.
- Gente, nave terra chamando – brinca Heloísa – Eu gosto até de lembrar da infância, adolescência, mas voltemos à Suzana.
- Vamos respeitá-la, demonstrar interesse por ela, ser carinhosos, atenciosos, entender seus limites, dificuldades, sabendo também dar limite se ela tiver alguma crise existencial de adolescente. Se nós a tratarmos como uma coitadinha, estaremos prejudicando o seu amadurecimento e ela se tornará uma adulta problemática, chata, indesejável. – Vitor sintetiza
- Eu não acho que ela chegue nunca a este ponto. – defende Helena – Com uma mãe como a Soraya.
- Ela é uma mãe maravilhosa. – concorda Heloísa. – Eu não me sinto tão boa mãe quanto ela.
- Você é uma boa mãe, Lolô. – consola Helena.
- Ah, Lelê...Acho que eu e o Paulo soltamos muito o Daniel. Eu, por causa do meu trabalho, o Paulo pela ansiedade de fazer dinheiro.
- Eu já penso que se todas as meninas da idade da Sandra fossem iguais a ela, nenhum pai ou mãe precisaria se preocupar. – avalia Helena.
Em meio à conversa, chegam Bertinha e Reynaldo com as filhas e Marcela e Marcos. Vitor os vê pela janela e vai abrir a porta.
- Feliz ano novo, tia Helô – Bertinha cumprimenta.
- Na medida do possível – responde Heloísa desanimada.
- Tia, que cara.– percebe Marcela.
- É mesmo, Helô... – concorda Marcos – Que houve?
- Depois eu conto. Vem mais alguém, Vitor?
- Acho que não, a mamãe faz o almoço na casa dela.
- A tia Soraya disse que se a Suzana estivesse melhor, viria com ela. –Sandra informa.
- Olha as duas vindo aí! – Helena vê as duas da janela.
- Cunhada! – Vitor recebe a cunhada de braços abertos e esta retribui.
- Ô cunhadão! – Feliz ano novo, paz, saúde e vitória!
- Meu nome quer dizer vencedor.
- Eu assino embaixo – completa Soraya.
- Tio... – Suzana dirige-se ao tio e recebe um caloroso abraço deste.
- Minha Morena Grau 10! – Muito amor, paz e realizações neste 2002.
- Obrigada, tio. – Suzana responde com o semblante ainda entristecido.
Durante o churrasco, todos conversam alegres, brincam. Suzana permanece num canto, apática sem comer. Todos percebem, mas procuram não demonstrar. Vitor aproxima-se com um pretexto:
- Eu vou pegar uns refrigerantes e outras coisas mais na cozinha, quer vir comigo?
- Tá... – Suzana olha triste o tio e levanta-se lentamente, acompanhando-o.
Ao se ver só com Vitor na cozinha, Suzana afirma:
- Você sabe o que aconteceu. Elas não escondem nada de você.
- O fato de saber, não diminui o meu amor por você, muito pelo contrário; eu a amo ainda mais, porque você precisa muito de amor. – Vitor abre os braços à sobrinha, que num choro incontido joga-se nos seus braços.
- Tio... Por que as coisas são assim, por que eu não nasci sua filha?
- Por que Deus sabe de todas as coisas e a vontade d’Ele foi trazê-la ao mundo como filha de meu irmão e através da sua vida ele conhecerá o amor de Jesus.
- Como é que você tem tanta certeza? – Suzana olha para o tio impactada, ainda envolvendo-o nos braços.
- O Senhor me revelou e Ele não é Deus de confusão. Ele falou, tá falado! –Vitor reafirma.
Soraya e Helena estranham a demora de Vitor e vão procurá-los. Chegando perto da porta sem ser vistas, vêem os dois abraçados e recuam.
- Vamos deixar os dois conversando –Soraya sussurra.
As duas vão para um canto da sala e Soraya desabafa com Helena.
- Helena, o que eu faço? Aconteceu o que eu temia. Eu fiquei apavorada quando soube que ela havia bebido. Quando a vi, estava melhor da bebedeira, mas emocionalmente, um lixo!
- Você não precisa dizer se não quiser, mas eu já imagino a causa.
- Foi por causa do Genaro, mas não por uma coisa só, foi por tudo. Ela não agüenta mais, ele está cada vez pior em relação a ela.
- Querida, nós queremos ajudar. O Vitor pensou em convidá-la para passar um tempo conosco.
- Não acho que dê certo. Ela está muito agarrada comigo. Eu fiquei com ela até dormir. Ela estava quase que encolhida, como que querendo voltar pra dentro de mim.
- Coitadinha...Mas tudo vai passar, Soraya. Você sabe que pode contar com a gente. Você faz sua parte, é a mãe dos sonhos dela. Ela te ama muito.
Mais tarde, todos se reúnem lá fora e Vitor pega o violão, entoando louvores. Os louvores emocionam Suzana, que chora.
- Minha Morena Grau 10! Jesus te ama! - Vitor traz Suzana para sentar-se ao seu lado e pede à Helena:
- Lelê, por favor, traga-me a Bíblia.
Helena traz e Vitor ora:
- Senhor, eu agora toco na tua palavra. Dá-me Pai, a palavra que todos nós precisamos ouvir e aplicar as nossas vidas. Fala profundamente aos nossos corações. Eu já te agradeço em nome de Jesus. Amém. – Amém - Todos repetem.
Vitor abre a Bíblia e sem procurar muito acha a palavra que lê em voz alta:
- “Porque pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação, segundo a medida de fé que Deus repartiu a cada um”. (Romanos 12: 13). – Obrigado Pai pela tua palavra. Que sirva para a libertação e edificação de todos nós. Agradecemos-te, Senhor, em nome de Jesus. Amém. – Amém - Todos repetem.
- Alguém gostaria de comentar alguma coisa que sentiu ao ouvir esta palavra? Quem quiser falar será ouvido em silêncio. Estejam à vontade.
Soraya levanta o dedo.
- Pois não, cunhada.
- Eu gostei da expressão: “Não pense de si mesmo além do que convém” e gostaria de expor como eu me identifico com isto. Serve também pra Suzana.
- Então fala. É pro bem dela. Né, Morena? – Vitor pergunta à Suzana que concorda com a cabeça e Soraya inicia:
- Posso ser sincera, pois estou com pessoas em quem confio. Eu me senti menos do que sou e gostaria de ser mais solicitada como mãe, Suzana. Eu tenho deveres em relação a você. Não há coisa que eu queira mais que a sua felicidade. Uma vez você chegou a se ajoelhar pra me pedir uma coisa. Eu disse: Não se ajoelhe para mim, sou sua mãe, não sou Deus. Não quero que se humilhe para mim, só quero seu respeito. Você negocia, faz umas pequenas malcriações às vezes, mas nada de grave e sempre reconhece seus erros e desculpa-se. Eu quero que você seja muito feliz, filha. Por mais supermãe, que eu seja e por mais carinho que eu dê, sei que não crio você para mim. Aprendi isso com minha mãe. Ela me criou para a vida. Um dia você terá sua vida, sua casa, sua família, mas estará sempre perto e dentro do meu coração. Eu te amo.
Mãe e filha choram e se abraçam, todos da família de Vitor aplaudem e gritam:
- Glória a Deus!
Vendo a emoção das duas, Vitor se achega, acaricia os cabelos delas e fala:
- Queridas, estou aqui para ajudar. Suzana, você gostaria de passar uns dias conosco?
- Obrigada, tio, mas eu não tô com cabeça pra ficar longe da minha mãe.
- Eu estou sempre disposta a te dar toda a atenção, querida. – Soraya apóia – Mas, se mudar de idéia, pode vir.
- Se quiser pode vir aqui com suas primas, passear de bicicleta com a Patty. – Vitor sugere.
Antes de se despedir das sobrinhas e cunhadas, Vitor ora por todos os familiares.
Em casa, Suzana no seu quarto abre a primeira página do novo diário. No cabeçalho, lê o trecho bíblico:“Chamou Deus à luz dia e às trevas, noite. Houve tarde e manhã, o primeiro dia. (Gênesis 1: 5)”. No rodapé, lê outro trecho: “E assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas (2 Coríntios 5: 17)”. A segunda passagem toca Suzana e uma pequenina semente é plantada. Ela anima-se e começa a escrever:
Rio, 01 de Janeiro de 2002:
Meu querido Diário:
Meu nome é Suzana Ribeiro Castelli, sou filha única de Genaro Silva Castelli e Soraya Ribeiro Castelli, e farei 15 anos no próximo dia 29 de Janeiro.
Você tem um significado muito especial pra mim, pois foi dado por minha avó.Não comecei bem o ano, fiz besteira, fiquei deprimida...Mas deixa pra lá! Ano novo, vida nova. As coisas antigas já passaram, eis que se fizeram novas, por isto mesmo, não vou nem falar como foi para mim este início de ano.. Tô voltando da casa do meu supertio Vitor, o mais velho dos 4 irmãos – meu pai é o 3º - que é meu padrinho também. Tia Helena, mulher dele, também é minha madrinha. Eles fizeram um churrasco, eu não comi nada, mas saí me sentindo alimentada de amor. Tio Vitor é tão especial. Ele leu a Bíblia e não me lembro exatamente das palavras, mas lembro que a mensagem era de não ser mais nem menos do que a gente é. Minha mãe pediu pra falar e pelo que ouvi, senti que não valorizo a mãe amiga que ela é. Quando precisa ela briga comigo, mas também sabe ouvir, mesmo que não concorde com tudo.
Eu peço a Deus, que este ano eu ganhe um presente: Que meu pai me ame.
Até a próxima,
Suzana.