domingo, 18 de julho de 2010

CAPÍTULO XXV

REVIRAVOLTA
Sentindo a aflição de Lúcia ao telefone, Heloísa apressa-se em ir à sua casa.
- Que bom que você chegou, eu quero mostrar isto antes que os meninos cheguem do colégio. – Lúcia entrega a carta à Heloísa.
- Eu vou ler, mas não posso demorar muito. Tenho que resolver muitas coisas no trabalho.
Heloísa lê silenciosamente a carta:
Se quiser saber o que seu marido fará no próximo sábado, vá à casa de Cabo Frio.
- Não tem assinatura. – Lúcia observa
- E a pessoa foi bem esperta, né? Carta anônima escrita com recortes de revista.
- Bem, Lúcia, como estou com pressa, vou ser objetiva; o que você pretende fazer?
- Eu...acho que vou lá.
- Se você quiser, vou com você.
- Eu ia pedir mesmo.
- Lúcia, conte com o meu apoio. Não sei o que vai acontecer daqui por diante, mas você pode contar comigo.
- Obrigada Helô.
- Vou levar um amigo que é detetive.
Lúcia não deixa transparecer sua apreensão aos filhos e no sábado sai bem cedo com Heloísa e o amigo desta, o detetive Horácio, para Cabo Frio.
- Chegamos. – Lúcia fica ansiosa querendo sair do carro, mas Heloísa alerta:
- Peraí, Lúcia. Vamos ver se tem movimento. Assim que você ver alguém, pega a máquina, Horácio.
- Deixa comigo.
- Tá parecendo que não tem ninguém. – Lúcia observa
- Olha lá, o Sérgio tá saindo com um grupo! – Heloísa aponta
- E cheio de mulheres! – Lúcia exclama indignada. – Agora é que eu pego este vigarista!
- Calma, Lúcia! – Heloísa a segura – Vamos ser prudentes, o Horácio já fotografou.
- Vamos atrás deles! – Horácio decide ao ver que todos estão entrando no carro de Sérgio.
Os três seguem o carro que se dirige a um clube próximo. Ao chegarem lá, Lúcia espera um pouco e não tem dificuldades de entrar, pois é conhecida no clube. Horácio tira mais fotos para ter mais provas. Ao ver Sérgio afastar-se um momento do grupo, Lúcia aproxima-se.
- Bom dia.
- Bom dia. – responde o grupo
- Vocês conhecem uma casa nas Palmeiras, no nº 14?
- Nós estamos lá – responde uma moça do grupo.
- Estavam lá! - Lúcia altera o tom de voz - Porque lá é minha casa e vocês vão sair de lá agora!
Neste mesmo momento, Sérgio aparece.
- Lúcia!!!!
- Cala a boca, seu cretino! – Lúcia furiosa dá-lhe uma “bolsada” na cara – Não quero ouvir sua voz, me solta! – desvencilha-se com violência do marido que tenta acalmá-la segurando-a.
- Mas Lúcia, eu...
- Não adianta, as justificativas agora são pro meu advogado! Eu segui você de casa até aqui e tenho provas! Não me apareça no Solar! – Lúcia chora de raiva e joga-se nos braços de Heloísa.
- Cafajeste! – Heloísa grita para Sérgio dando-lhe uma bolsada na cara
Lúcia volta à casa, repreende os empregados coniventes com Sérgio e despede todos. Vai até todos os quartos e joga todas as coisas dos convidados de Sérgio pela janela.
No Solar, Suzana, Sandra e Sônia recebem as visitas de Rodrigo, Ricardo e Renato.
- Amor, Jesus é demais! – Rodrigo exclama entusiasmado
- Não dá pra descrever, né? É sentir! – Suzana exulta de felicidade
- Quando são só os dois parece que a conversa é só essa. – Sandra critica
- É. O Rodrigo tá...sei lá...diferente...mas é engraçado...ele parece mais alegre – Ricardo observa
- Os pais dele, o que acharam?
- O pai criticou mais, a mãe disse que ele tem o direito de seguir o que quiser.
- Dani também tá nessa...mas tenho que reconhecer que ele tá muito diferente. Nem parece que ele esteve envolvido com drogas. Ele segue toda a rotina do centro de reabilitação e tem sempre uma palavra amiga pra quem chega. Ele foi pra lá realmente mais pra ajudar. Tô achando a Suzana mais exagerada, numa euforia que eu tenho até medo que daqui a pouco entre noutra depressão.
- Vamos dar tempo ao tempo. Eu conheço pouco a Suzana, mas tô achando que ela tá bem melhor. Não era nada fácil agüentar aqueles “micos” que ela dava quando bebia.
- Isso é... – Sandra concorda, relembrando.
Não muito distante, de outro lado do jardim, Sônia e Renato conversavam:
- Minha mãe saiu cedo hoje com a tia Helô.
- E daí? Você parece preocupada.
- É que ela não costuma fazer isto. Ainda mais num sábado.
- Não deve ter acontecido nada demais.
- Pois eu acho que sim, ela tá demorando muito. Eu acordei até cedo, umas 7:30 e ela já tinha saído fazia tempo. Agora já é quase meio dia e elas não chegaram.
Lúcia para nas proximidades de Cabo Frio num bar para se acalmar.
- Aquele safado! Ele vai ver! Eu devia ter ido atrás dele muito antes!
- Lúcia, você tem que esfriar a cabeça. – Heloísa aconselha – Pense nos seus filhos.
- Mas eu tô assim por causa deles também! O pai é o herói deles!
- Eu sei que vai ser difícil contar, mas eles vão precisar muito de você. Daqui pra frente vai ser você e eles.
- Eu queria estar com meus pais agora.
- Prepara os dois. Eles sempre gostaram do Sérgio.
- Como eu fui alienada! Eu poderia ter evitado que chegasse a este ponto.
- Não é tão fácil assim. A gente prefere acreditar que tá tudo bem, mesmo que pressinta que não.
- A única vez em anos que eu fiquei revoltada foi quando a Sônia sofreu aquele acidente e ele não estava.
- Outras situações já incomodavam. O Ivan com aquela mania de computador.
- Eu sei o que me aguarda daqui pra frente. Divorciada, tendo que encarar tudo sozinha. Coisa que até eu fazia, mas o Sérgio ainda dava um jeito no Ivan. Agora aquele menino vai ficar mais difícil, mais rebelde.
- Sônia também vai precisar de apoio, ela vai sofrer muito Lúcia.
- É...ela é muito sensível.
- Quando ocorre um problema como este, a gente até se surpreende com os “muito quietinhos” como a Sônia. Ela se parece muito com você, sabe? Muito quieta, procurando se convencer que tá tudo bem. Enquanto a Sandra sempre ponderou e a Suzana sempre agiu sem pensar, a Sônia geralmente esperava uma decisão, ficando em cima do muro.
- Você quer dizer que ela pode ter uma reação pior do que eu espero?
- Acho que sim. Tenha muito discernimento pra passar a situação pros dois.
No Solar, Sandra continua conversando com Ricardo, que convida:
- Não quer ir almoçar lá em casa? A gente fica mais à vontade.
- Tenho que falar com meu pai. Ah! Tá ele aí chegando. Pai!
- Oi?
- Pai, eu posso ir à casa do Rick?
- Como assim?
- Passar o dia lá.
- E tem mais alguém em casa?
- Claro, Dr. Paulo. – responde Ricardo – Meus pais estão lá. Hoje é sábado.
- Eu vou ligar pra sua casa. – Paulo fica desconfiado.
- Como o senhor quiser. – Ricardo aceita.
Paulo liga certificando-se de que os pais do garoto estão em casa e autoriza Sandra a ir com o motorista e com a escolta de dois seguranças devido ao pânico gerado pelo seqüestro de Genaro, incumbindo estes de trazê-la de volta.
- Seu pai é durão, hein? E que exagero! Dois seguranças! – comenta Ricardo
- Ele não aparenta à primeira vista, mas é ciumento. Também tá com “neura” por causa do seqüestro do meu tio.
– Sandra ri, divertindo-se com a atitude do pai.
Pouco depois da saída de Sandra, Lúcia chega com Heloísa.
- Lúcia, eu só posso desejar boa sorte.
- Obrigada. Vai ser duro, mas eu vou conseguir.
- Você vai impor dias pra ele ver os filhos? Já pensou nisto?
- Helô, a relação deles com o pai é uma coisa que eu vou respeitar. Só não quero vê-lo. Eles que resolvam entre si.
- Está começando bem, Lúcia. A Sônia tá lá com o Renato.
- Eu vou pedir licença a ele.
Lúcia vai até a filha que percebe a tensão da mãe.
- Minha mãe, Rê. Ela parece preocupada.
- Oi, Renato.
- Oi, Dona Lúcia.
- Você podia me dar licença? Eu preciso muito falar com a Sônia.
Sônia levanta-se apreensiva.
- Você me espera? – Sônia pergunta a Renato
- Claro. – ele responde com um sorriso
- Vai ser um pouco demorada a conversa. – avisa Lúcia - Vou chamar seu irmão também.
- Fiquem à vontade, eu posso esperar. – Renato mostra-se solidário, percebendo que há algum problema.
- Não se prenda se precisar ir. – Lúcia adianta
- Eu não tenho nenhum compromisso. Tá tudo bem. – Renato reitera.
- Obrigada pelo interesse querido. – Lúcia agradece – Vamos entrar, com licença.
Sônia antes de entrar com a mãe sinaliza pelo olhar a Renato sua necessidade que ele continue por perto e ele entende respondendo com um olhar tranqüilo que a conforta. Lúcia, entrando com a filha, pede:
- Espere aqui que eu vou lá em cima chamar seu irmão.
Lúcia entra no quarto do filho, que está em clima de aventura no jogo do computador.
- Ivan.
Lúcia fala mais alto, mas o som do computador impede que o menino ouça.
- Ivan, desliga isto! – Lúcia percebe que ele a ignora totalmente sua presença e desliga o computador.
- Mãe!! por que você fez isto?! – Ivan grita irado e a mãe já contando com esta reação, o encara séria.
- Desça agora – fala com muita firmeza – Quero falar um assunto muito sério com você e sua irmã.
Impactado com a atitude mãe, Ivan a acompanha, embora ainda indignado pela interrupção brusca do seu jogo.
- Sente-se Ivan
- Tô bem de pé.
- Tá, como quiser. Quero saber o que vocês pensam das viagens a serviço de seu pai, nos últimos tempos, cada vez mais freqüentes? Diga Sônia.
- Eu...eu sinto muita falta dele...mas ele ficou um tempo sem viajar...
- Sim, mas só naquele período difícil em que o Genaro foi seqüestrado. Depois ele voltou a viajar mais do que de costume. - Lúcia lembra – O que você pensa disso?
- Ah, mãe...o que eu posso pensar? Quem sou eu pra dar palpite na vida profissional do meu pai?
- Você é filha dele, tem o direito pelo menos de questionar por quê um trabalho afasta tanto uma família.
- Mas a gente não tá afastado.
- Você tem certeza?
- Mãe, a gente ainda têve a oportunidade de estar junto na gincana do colégio... – Sônia argumenta
- Uma situação esporádica. O normal foi sempre ele estar distante, cuidando de negócios longe, construção de casas. – Lúcia persiste em sua observação
- Esta conversa tá ficando um saco – Ivan reclama levantando-se e chega a dar um passo, mas Lúcia breca:
- Pode ficar aqui mesmo! Tão cedo você não vai voltar pra aquela parafernália de computador e tem mais: terminando este período de férias de julho, vou resolver os horários em que vai ser ligado. Quero mais atenção aos estudos. As médias não estão nada boas! Aproveita esta sua revolta e dá sua opinião sobre o que estou perguntando.
- Ah, eu nunca pensei nisto e concordo com a Sônia! Que é que eu tenho que me meter no trabalho do meu pai?!
- Se ninguém tem nada mais a dizer eu vou ter que ser direta: vou me separar do pai de vocês.
- Como?! – Os irmãos perguntam ao mesmo tempo. Sônia levanta-se espantada e Ivan fica paralisado.
- Isto mesmo.
- Mas...mãe...assim...de repente – a voz de Sônia começa a embargar-se pelas lágrimas
- Filha... – Lúcia chega-se carinhosamente à Sônia – Não é de repente, houve uma razão forte pra esta decisão: eu recebi uma carta anônima dizendo que ele estaria na casa de Cabo Frio. Foi uma maldade, mas eu fui com tia Helô e um detetive e comprovei que seu pai me trai.
- Não...NÃO! – Sônia sai correndo pra fora e Ivan continua paralisado. Lá fora, Suzana percebendo que a prima não está bem, pede licença a Rodrigo e Renato que estavam com ela e a alcança.
- Sônia! Que foi?
Sônia não consegue dizer nada e Suzana a abraça fortemente. Rodrigo e Renato preocupam-se
- Que foi? – perguntam os dois quase ao mesmo tempo.
- Gente, desculpa...mas ela não tá bem. Eu tenho que ficar com ela. - Suzana sente que é algo muito sério.
- A gente entende, né, Rê?
- Claro. Depois liga pra gente.
- ‘Brigada pela compreensão de vocês, eu vou entrar com ela.
Suzana entra com Sônia amparando-a. Lúcia deixa as duas a sós. Suzana espera a prima se acalmar e a ouve:
- Eu...que pensei que a minha família tava melhor que a sua, que a da Sandra... – Sônia volta a chorar e seu corpo treme. Suzana, com compaixão da prima, a traz para perto de si.
- Soninha...você precisa de colo, priminha. – Suzana senta com a prima no seu colo e esta chora como uma criança indefesa com a cabeça no ombro dela.
- Chora...chora o quanto você precisar. Eu tô aqui. – Suzana acaricia e beija a cabeça de Sônia.
Enquanto isto, Sandra na casa de Ricardo, passeia abraçada com este pelo jardim.
- Pôxa...faz tempo que eu não passava um fim de semana tão tranqüilo. – Sandra comenta
- Vamos pra dentro? – Ricardo sugere
- Mas tá tão bom aqui.
- É, mas...a gente sobe, fica lá no meu quarto, mais à vontade, lá não tem circuito interno de TV.
- Ah, sei...isto é um saco. Lá no Solar também pelo menos nos nossos quartos também não tem.
- É, senão fica que nem aquele filme: “INVASÃO DE PRIVACIDADE”. – Ricardo compara.
Os dois entram e sobem para o quarto. Ricardo mostra suas coisas, os dois conversam, mas logo depois, como todos os adolescentes em ebulição de sentimentos, sentados na cama, intensificam suas carícias.
- Rick, vamos parar por aqui, tá muito acelerado. – Sandra levanta-se rapidamente
- Mas, que foi?
- Rick, o meu sentimento por você tem crescido a cada dia. Você é muito legal, companheiro, ouve os meus problemas, mas...
- Mas?
- Eu não me sinto preparada pra alguma coisa mais profunda, entende? Eu vejo as garotas se entregando totalmente pros garotos com uma pressa, uma ansiedade e cada vez mais cedo, parece que vão morrer se não deixarem de ser puras.
- Ah, pureza é um “estado de espírito!”
- Não sei se é só assim. Acho que a gente tem que aproveitar a vida. As crianças vêem coisas que nem deveriam ver na TV. Assim como as crianças devem ser crianças, nós também devemos ser adolescentes. Não vamos pular uma etapa boa da vida.
- Que visão mais psico-social, Sandra!
- Rick, eu não vou negar a atração que também sinto por você, me desculpa se eu racionalizo ou até intelectualizo demais, mas se você gosta mesmo de mim, vai ter que me aceitar assim.
- Eu fico doido quando te toco, te beijo, sinto teu perfume.
- Rick, desde que eu e minhas primas vimos você e os seus primos, foi uma coisa mágica, cada uma sentiu atração imediata exatamente por aquele que tá namorando agora. Vocês são nossos primeiros namorados.
- Eu também nunca senti por garota nenhuma o que sinto por você.
- Sei...é bom ouvir isto, mas segura, Rick, não é o momento.
- Tem medo que o seu pai vá ficar de marcação?
- Meu pai é antiquado, mas é legal. Minha mãe sempre conversou abertamente sobre estes assuntos comigo, nunca me proibiu, mas sempre me alertou. Sou eu mesma que não quero agora.
- Por que tanto medo?
- Rick, a gente tem que se conhecer melhor. Tudo deve ser naturalmente. Eu não tô dizendo que sou contra, mas é como se eu ouvisse um aviso de que se for agora eu vou me arrepender.
- Se arrepender? Mas eu te amo, Sandra.
- Tá, Rick, mas este amor todo ainda tá muito ligado ao físico, às sensações.
- Eu também amo a sua pessoa.
- Eu acho você especial, mas numa coisa você não é diferente dos garotos da sua idade: você quer matar a curiosidade. Eu não vou dizer que não tenha vontade, mas é que eu sinto que não devo. Pelo menos agora, não.
Sandra sente certo alívio quando alguém bate na porta. Ricardo abre e entra sua mãe.
- Rick, o pai da Sandra ligou informando que já está na hora dela ir.
- Eu já tô indo.
- Vamos só acabar de conversar e ela vai, mãe.
- Tá. Mas não demorem, hein? – a mãe de Ricardo olha um pouco desconfiada e sai.
- Sandra...eu...não sei, mas acho que deixei você com medo.
- Eu tenho medo até de mim. – Sandra expressa no olhar fixo para Ricardo uma inquietação, uma dificuldade de se dominar, dando-lhe esperança de realizar o seu desejo.
Sandra vai para o Solar e procura por Suzana. Não a encontra em casa e vai para a sua.
- Mãe, eu passei pela casa da Suzana e a tia Soraya disse que ela foi ficar com a Sônia. Eu fiquei preocupada, porque ela disse que a Sônia não tava bem e ela disse que você me contava.
Heloísa conta tudo à filha que fica impressionada, embora sempre desconfiasse das viagens de Sérgio.
- É, mãe, parece que tá havendo uma reviravolta por aqui. Eu vou subir pro quarto. Tô cansada.
Quando chega em cima, Paulo a interpela:
- Sandra, filhinha, tudo bem?
- Claro, pai.
- Bem mesmo? - torna a perguntar desconfiado
- Tudo bem, pai.
- Aquele garoto te tratou com respeito?
- Pai, não houve nada demais, eu só passei a tarde na casa dele, tá? Deixa eu entrar no meu quarto, por favor.
Sandra abre o diário e lê: “Resolveu Daniel, firmemente, não contaminar-se com as finas iguarias do rei, nem com o vinho que ele bebia; então, pediu ao chefe dos eunucos que lhe permitisse não contaminar-se” (Daniel, 1: 8); “Todas as coisas me são lícitas, mas eu não me deixarei dominar por nenhuma delas” (1 Coríntios, 6: 12).
Rio, 13 de julho de 2002
Meu querido diário
Mais uma vez eu tenho a sensação de ler uma frase direta pra mim, ainda mais por ter o nome Daniel na passagem bíblica. Sinto uma forte relação com ele e comigo. Há pouco tempo eu poderia dizer que tinha no tio Vitor um modelo de homem mais velho, o herói convencional, politicamente correto, íntegro, bom pai, bom conselheiro, atento a todos os da família, principalmente comigo, com a Suzana e a Sônia, pois ele sempre diz que pra ele somos como filhas. Eu o admiro ainda mais pelo que está fazendo pelo Dani, meu querido irmão, que eu tinha como um herói anti-convencional, um rebelde que eu não diria ser sem causa, pois ele não têve a atenção que merecia do nosso pai. Agora, ele me impressiona pela guinada que deu. Ele tá seguindo um programa de recuperação e tá se dando tão bem que tá até ajudando mais do que sendo ajudado. Estou com vontade de falar com ele. Com todos os problemas que ele têve, mesmo antes quando era viciado e sendo algumas vezes agressivo, nunca deixou de ser um bom irmão. O trecho acima tem tudo a ver e o abaixo, não se deixar dominar. Hoje, com o carinho que o Rick me fez, eu fiquei com vontade de fazer o que todas as garotas fazem até cedo demais. Tô confusa como nunca fiquei. Poderia falar com a minha mãe. Ela não seria contra, mas também não me diria pra fazer correndo. Meu pai, nem pensar. Só a cara com que ele me olhou quando me fez sentir quase desmascarada, como se ele pudesse ler os meus pensamentos. Não é por medo da reprovação do meu pai, mas eu sinto que não é o momento, mas tenho medo de não agüentar esperar.
Bom, té manhã,
Sandra.
Na manhã seguinte, Sandra encontra Suzana preparada para sair.
- Sú?! Que milagre é este?! Acordada a esta hora num domingo?
- É...pra você ver...
- Aonde você vai tão cedo? Você tá pronta pra sair, né?
- Tô, mas tô adiantada, vou pra igreja.
- É?!
- É. Tô esperando o Rodrigo. Você queria falar comigo?
- Bom...queria, mas antes queria saber como tá a Sônia.
- Ela não têve um sono tranqüilo. Eu fiquei juntinho dela na cama, ela me agarrou forte dormindo, falava: “Pai...mãe...não...” se encolhia toda.
- Tadinha...
- Eu a chamei pra ir comigo, mas ela não quis. Eu a achei meio febril. Tá lá quieta, não quer falar com ninguém.
- Pôxa...
- Sandra, eu tô sentindo que tem alguma coisa te incomodando. Você também não dormiu bem, tá tão cedo de pé.
- É, Sú, eu fiquei pensando muito.
- Em que?
- Sú, você gosta do Rodrigo, né?
- Nem preciso responder. – Suzana sorri.
- Ele é muito especial pra você?
- Mais outra pergunta que eu também não preciso responder. Aonde você quer chegar?
- Sú, eu perguntei sobre o Rodrigo pra chegar ao Rick. Você não enlouquece com um beijo do Rodrigo?
- Eu e o Rodrigo trocamos carinho, mas, de comum acordo, resolvemos nos dominar.
- Dominar? Como assim?
- Sandra, eu entendo o que você sente, porque qualquer garota sente. Desde a primeira vez que eu vi o Rodrigo, eu senti meu coração quase sair pela boca, cada uma ficou entusiasmada pelo que é agora seu par, lembra?
- É...
- Esses sentimentos são bons, mas Deus mostra pela palavra d’Ele, que o momento de viver a realização da sexualidade é no casamento. Você de nós sempre foi a mais ponderada, usa esta sua qualidade pra refletir. É tão bom conhecer a pessoa, gostar, ter companheirismo. Tanta gente nem se curte mais no dia da lua de mel, cada um vira pro lado e dorme, por que já não é mais novidade.
- Eu agora entendo por que dizem tanto que a carne é fraca, mas mesmo assim eu não acho preciso esperar o casamento pra se realizar com quem a gente gosta.
- É, mas o Espírito é forte e a gente tem que aprender a viver nele. Hoje sei o que sinto pelo Rodrigo. Mas antes, quando tava indecisa, quase me entreguei a quem não devia. Lembra do Bruno, né?
- Ele ia usar você.
- Eu quase cedi a um impulso, mas Deus teve misericórdia e me livrou. O Ricardo é legal, não vai te usar.
- Tenho medo que ele possa conhecer alguma outra garota mais experiente, dê ponto pra ela e aí eu danço.
- Não imagina coisas. Se ele gosta realmente de você, vai esperar. O Rodrigo tá chegando. – Suzana acena para ele - Quer ir com a gente?
- Não, eu vou ver o Dani.
- Manda beijos pra ele, ele tá sendo muito usado lá.
Suzana sai com Rodrigo e Sandra pensa sobre o que a prima disse.
Desesperado por ter sido descoberto, Sérgio procura um advogado seu amigo, para saber o que fazer:
- Ela foi com um detetive e deve ter fotos comprometedoras. Você não sabe o que ela viu antes de se manifestar.
- E agora?
- A única saída é você apelar, pedir perdão. Agora só falando com ela.Melhor você tentar enquanto dá. Não deve deixar passar muito tempo.
- E se eu a convidasse pra falar comigo fora de lá?
- É uma boa estratégia.
Sandra vai ver Daniel. Os dois abraçam-se demoradamente. Daniel, sempre um irmão carinhoso, acaricia os louros e cacheados cabelos da irmã, presos, puxados pra cima e pergunta:
- E aí, maninha?
- Dani...há tão pouco tempo você tava tão perdido. Agora tô aqui precisando da sua ajuda.
- Eu tava perdido, porque não havia encontrado Jesus. Tô aqui pra ouvir, mas Deus já sabe do que você precisa.
- Eu até duvidei da existência de Deus, mas vendo você assim, tão seguro, acredito que exista uma força superior.
- Esta força é muito mais superior do que você possa imaginar. O poder de Deus é infinito. Fala, o que há?
- Dani, eu já conversei com a Suzana hoje, porque ela sendo uma garota também sente coisas que eu sinto. Eu não quis falar com a mamãe, muito menos com o papai. Sei que o que vou falar não vai sair daqui. Como é quando você sente uma atração muito forte por uma garota? Você já têve experiências mais íntimas com mais de uma garota, né?
- É...infelizmente.
- Por que infelizmente? – Sandra espanta-se com a resposta do irmão.
- Por que agora que eu conheço Jesus, sei o que é amar verdadeiramente.
- Você quer dizer que nunca amou verdadeiramente uma garota?
- Não, quero dizer que descobri que amo uma e não dei à ela o devido valor.
- Como assim? Você tá falando daquela mesma garota que você me falou outro dia?
- Sim, ela mesma.
- Mas e aí, Dani? Deixa eu entender. Você disse que não deu à ela o devido valor, mas ela sumiu.
- Sim, mas eu não sei o que aconteceu pra ela sumir e não acho que seja por minha causa. Não dei à ela o devido valor, porque não fui fiel.
- Ah...então você tá com sentimento de culpa?
- Eu sentia culpa e achei que não merecia perdão, mas conheci um Deus que me perdoa e isto me aliviou. Continuo arrependido, mas com vontade de resgatar minha relação com ela, quero encontrar essa garota.
- Você vai encontrar, Dani.
- Tá difícil...Eu ligo pra lá e ninguém atende, o celular dela tá sempre fora de área.
- Você já pensou em ir lá?
- Eu nunca fui sem avisar, ela sempre me deu o “sinal verde” quando a mãe não tava em casa.
- Ih, Dani...ela deve estar escondendo a relação de vocês da mãe, isso não é legal.
- Eu até concordo com você, mas tenho que esperar. Se eu aparecer de repente, posso causar algum problema.
- E se alguém fosse lá, só pra sondar, pra saber se elas viajaram?
- Vou pensar. Mas, não vamos nos dispersar, estávamos falando de você.
- Dani, eu quis ouvir você, por que é homem e vê as coisas de outra forma. Eu sempre achei você um cara sensível Apesar de achar que você nunca pensou em compromisso sério. Seus olhos brilham quando cê fala na sua garota. Você nunca foi mal, só quis se meter a “bad boy”.
- Eu tinha medo de gostar verdadeiramente. Mas disto, a gente não foge. Você gostaria de ter um aval pra se entregar ao Ricardo, né?
- Ai...agora cê “foi na lata!”
- Se ele te ama, vai te respeitar e compreender. De minha parte, vou fazer duas coisas: dizer que não faça nada e orar por você. Deus fez o homem e a mulher pra se amarem, mas tudo tem o seu momento certo. Eu sei que não pareço a pessoa mais indicada pra dizer isto, mas o que fiz, não faço mais. Eu pra conseguir drogas vivia na promiscuidade, esquecia minha garota, me envolvia com muitas outras e me sentia vazio, mas depois voltava a agir errado. Agora é diferente. Mulher não é válvula de escape, diversão. Eu fui um irracional. Deus me fez racional e eu posso segurar os meus impulsos.
- A Suzana me disse que o casamento é o momento certo pra se entregar.
- Ela deve estar aprendendo a segurar a vontade. Ela e o Rodrigo se amam, mas se controlam, pois têm Jesus.
- Dani, agora vocês metem Deus em tudo!
- Claro, Ele tá em tudo.
- Dani! – um colega chama – Tá na hora do culto!
- Quer vir, maninha? Vem, só pra assistir.
A princípio Sandra assiste contrariada, mas emociona-se ao ouvir o louvor e quando o pastor prega a palavra, a frase: “O seu desejo será contra ti, mas cumpre a ti dominá-lo”; (Gênesis, 4:7), entra como que um raio em sua mente, como uma resposta às suas dúvidas. Ao decorrer do culto, mais louvores e lágrimas lhe caem dos olhos. Ela pensa ao ver o irmão tão feliz: “Pôxa...meu irmão é um milagre”. Ao final do culto, o pastor pergunta:
- Há alguém presente que gostaria de receber Jesus como seu único e suficiente salvador?
Num ímpeto, Sandra, levanta-se e grita com a voz embargada pelas lágrimas:
- Eu quero!
- Glória a Deus!!!!!! – Daniel grita de entusiasmo. – Palmas pra Jesus! – Daniel aplaude e todos o acompanham. Sandra vai à frente chorando e repete as palavras do pastor, aceitando Jesus como seu único e suficiente salvador.
- Maninha, tá havendo neste momento uma festa no céu! – Daniel abraça a irmã
- É Dani...eu só fico pensando nos nossos pais...eu gostaria que estivessem aqui.
- Deus tem o tempo dele, maninha.
Ao chegar em casa, Sandra vê Suzana e Rodrigo. Alguém tapa os olhos de Sandra que quando toca as mãos, diz:
- Rick! – vira-se para ele abraçando-o ternamente
- Oi, amor. Tenho uma novidade.
- Ai, deixa eu contar a minha primeiro.
- Ai...primeiro eu!
- Eu aceitei Jesus! – os dois falam juntos
- Pôxa!! – falam juntos novamente.
- Mais perfeito que isto, só se tivesse sido no mesmo lugar. – Rick observa
- Pois é Rick...mas Deus faz do jeito dele. – Rodrigo constata
- É...às vezes, a gente tem que estar um pouco separado, pra estar mais próximo de Jesus. A gente se encontra com Ele e depois tem um reencontro com quem a gente quer bem, né amor? – Suzana olha ternamente para Rodrigo.
- Com certeza! – Rodrigo concorda
- Mas, foi praticamente na mesma hora. – deduz Suzana.
- É! – Sandra e Ricardo falam novamente juntos, entreolhando-se com cumplicidade.
- Rodrigo me ouviu. – Ricardo conta - Eu confesso que não é fácil viver uma vida assim... Diferente, mas ele me fez pensar que existe mesmo uma briga interna, “um quero, não quero”, como se tivessem aqueles anjinhos e diabinhos dos desenhos, um dizendo: “Espera, agora não” e outro: “Vai, vai fundo!”
- É, eu também senti assim. – Sandra admite.
- Agora, somos mais juntos em Cristo! – festejam Rodrigo e Suzana.
- É, mas precisamos passar isto pra Sônia.- Sandra lembra-se
- O verdadeiro cristão, encara os desafios. – Rodrigo afirma.

4 comentários:

  1. Que legal,os pares quase inteiramente convertidos...Agora só falta a Sonia e o Renato.
    To ansiosa pelo que vem por aí!

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  2. A mudança de Daniel é algo incrível!
    Agora a Sônia vai ter que encarar a nova realidade da sua família.
    Ansiosa pelo próximo!

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  3. Nossa esses ultimos capitulos é de emoção pura.
    To amando!!!!

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  4. poxa, que lindo, lindo, lindo!!
    amei!!!

    Super feliz!!

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