quarta-feira, 21 de julho de 2010

CAPÍTULO XXVI

MAIS REVELAÇÕES
Um novo envelope chega às mãos de Lúcia.
- Helô! – Lúcia corre pelo jardim ao ver a cunhada.
Lúcia mostra para Heloísa que abre o envelope retirando um papel.
- É a cópia de uma escritura!
- A pessoa enviou também uma carta anônima do mesmo jeito que a outra, escrita com pedaços de letras de revistas, dizendo que foi o Sérgio que comprou e botou no nome de Sílvia em usufruto da mãe.
- Sílvia...filha da mulher que usufrui do imóvel. – Heloísa começa a fazer deduções.
- Também veio outro documento. Uma cópia de certidão de nascimento dessa Sílvia. - Lúcia mostra à Heloísa que lê e fica boquiaberta.
- Lúcia...você leu tudo?
- Helô, não vai fazer tanta diferença, só vai reforçar a minha decisão de me divorciar.
- É, mas assim como nós tivemos provas do que ele andava fazendo, vamos chamar o Horácio e reunir mais provas sobre isto também.
Lúcia avisa à Sônia que precisa sair e Heloísa contacta com Horácio, depois de obter uma dispensa do trabalho.
- Estou tão preocupada com a Sônia. – Lúcia comenta com Heloísa.
- E o Ivan?
- Ele tá apático, tanto quanto ela.
- Se prepara, você sabe como vai ser daqui pra frente.
Suzana e Sandra, solidárias com a prima, fazem companhia à esta enquanto sua mãe sai.
Enquanto isto, Lúcia e Heloísa, acompanhadas por Horácio, vão ao endereço indicado.
- É aqui? – Heloísa pergunta
- Deixa eu conferir. – Lúcia lê novamente a correspondência – É aqui mesmo.
- Lúcia, eu entro. Vocês ficam aqui. – Horácio recomenda - Você sabe manejar esta filmadora, né Helô?
- Deixa comigo.
Horácio deixa as duas escondidas atrás de uma árvore um pouco distante do carro. Uma cerca envolve o terreno da casa. Horácio caminha um pouco mais próximo e vê uma mulher mestiça, com um tipo de mameluca, estendendo roupas num varal.
- Dona Adenir – Horácio propositalmente a chama pelo nome e ela atende
- Bom dia.
- Bom dia – a mulher responde – Como o senhor sabe meu nome?
- Eu sou amigo do Sérgio Castelli. Ele disse que eu poderia encontrá-lo aqui e deu seu nome como referência.
- Papai? – pergunta uma menina com síndrome de down que aproxima-se ao ouvir o nome de Sérgio
- Não é o seu pai, não filha. O que o senhor deseja? Senhor... Senhor?
- Horácio. Eu faço serviços pra empresa dele e como estamos fazendo construções por aqui, aproveitei pra procurá-lo.
- Ele tá fora, não sabia que ele tava a serviço por aqui. Nunca me falou do senhor.
- Ah, mas estas construções às vezes param por falta de pessoal, de material também. Ele deve ter esquecido.
- Eu não tô muito a par do que ele faz.
- Tô com saudade do meu pai! – a menina manifesta-se logo após o comentário.
- Eu vou ligar pra ele, filha. Vai lá pra dentro, vai. Olha, eu acho mais fácil o senhor encontrar com ele na empresa. Aqui ele não tem vindo.
- Se a senhora quiser, posso procurá-lo na empresa e digo que a menina tá com saudade dele.
- Ah... – a mulher fica um pouco desconfiada.
- Pode deixar que eu falo com ele. Bem, agora eu vou, pois tenho pressa. Tenham um bom dia.
- Bom dia...
Horácio volta ao local onde deixou Heloísa e Lúcia.
- E aí, Helô, tirou as fotos?
- Tirei bastante.
- Ótimo!
- Mas como foi? – Lúcia indaga aflita
- Olha, você viu aquela menina com síndrome de down? – Horácio indaga a Heloísa
- Vi.
- Agora tá confirmado. A mulher respondeu quando a chamei pelo nome, eu falei nele e a menina disse: papai. Eu disse que ia falar com ele que ela estava saudosa e a mulher não negou que ele seria pai dela.
- Mas independente disto, eu já havia tomado a minha decisão. – Lúcia afirma.
- Você tem mais provas do que poderia imaginar. – Heloísa observa
- As que eu tive antes, já foram mais do que suficientes.
Mais tarde, em casa, Lúcia recebe um telefonema de Vitor pedindo para que vá à sua casa e ela desconfia.
- Sérgio deve estar lá – Lúcia conclui.
- Sabe cumé o Vitor, né, Lúcia? Mas ele não vai dar palpite, só tá querendo ajudar. – Heloísa opina.
- Você vai comigo?
- Eu posso ir, mas vou esperar lá fora, ou ficar conversando com o Vitor e a Lelê. É uma parada que você vai ter que resolver.
- Não vai ser fácil.
- Mas você consegue, já enfrentou o pior.
Conforme as suspeitas, Sérgio aguardava Lúcia na casa de Vitor e esta não se surpreende ao vê-lo. Os dois ficam a sós.
- Vamos conversar como gente civilizada, Lúcia.
- Claro, eu vim preparada pra isto.
- Como?
- Sérgio, conhecendo bem seu irmão e sabendo como você se sentiu por ter sido desmascarado, acha que eu não contava com você aqui? Não sou tão otária assim.
- Você concordou comigo em conversar civilizadamente, cumpra o que disse.
- Perfeitamente, sou toda ouvidos.
- Lúcia, eu estou arrependido. Eu sei o quanto errei mas estou disposto a recomeçar, quero uma nova chance, não é justo com os nossos filhos.
- Não acha um pouco tarde?
- Nunca é tarde pra se arrepender, Lúcia.
- Sérgio, se eu não tivesse sabido que você estava lá na situação que vi, você estaria arrependido?
Sérgio fica sem resposta e não a encara.
- Você disse que não achava justo com nossos filhos. Filhos não pedem pra nascer, por isto, eu aproveito o ensejo pra dizer que também não é justa a vida que leva a sua filha!
- O quê?! - Sérgio chega a enrubescer de nervosismo.
- Isto mesmo. Eu já tinha provas suficientes pra tomar uma decisão e agora tenho mais. Fui à casa que você comprou pra ela e embora o nome do comprador não apareça como o seu, sei que foi você. Você sustenta uma mulher de nome Adenir, que tem uma filha sua e a menina tem síndrome de down. Vamos acabar com isto. Eu quero o divórcio.
Sérgio sente-se vencido. Imagina quem o teria delatado, lembra de várias amantes que seriam capazes disto, mas de nada adianta, a vingança anônima estava consolidada e a separação é inevitável.
Lúcia relata o fato aos filhos e Sônia fica estarrecida e revoltada.
- Mãe! Meu pai é muito pior do que eu imaginava! Não quero mais ver a cara dele!
- Nem eu! – Ivan interrompe, sentindo a mesma indignação.
- Deixem eu falar. – Lúcia tenta acalmar os filhos - Não é nada fácil acabar com um casamento. Ele deixa de ser meu marido, mas nunca de ser pai de vocês. Além do mais, a menina não tem culpa e é irmã de vocês.
- Você a viu? – Sônia se interessa.
- Não, o Horácio viu e tirou fotos. Eu tenho provas, mas não vou fazer nada contra o pai de vocês. Só vou reivindicar o que é de direito. Ele pode ver vocês a hora que quiser. Nunca fui vingativa e não vou interferir na relação de vocês com ele e vocês podem ter contato com a sua irmã, que vive muito isolada.
- Mãe...eu...minha cabeça tá cheia! Tanta coisa assim de repente, uma bomba estourando atrás da outra! – Sônia chora desesperada
- Claro, minha filha. Eu sei como você deve estar se sentindo.
Sônia sobe para seu quarto e pega o diário, lendo antes as passagens do dia: “Irai-vos e não pequeis; consultai no travesseiro o coração e sossegai (Salmos, 4: 4); “Por que a ira do homem não produz a justiça de Deus” (Tiago, 1: 20).
Rio, 15 de julho de 2002
Querido diário
Oi, faz um tempão que eu não escrevo. Tenho andado chateada, revoltada. Descobri tantas coisas que não imaginava sobre o meu pai. Acho que na minha cabeça ele era perfeito e agora vejo que embora soubesse que não, ele tem muito mais defeitos do que eu poderia imaginar. Descobri tanta coisa errada que até dói escrever, mas a última, é que eu e o Ivan, temos uma irmã de 8 pra 9 anos que tem síndrome de down. Minha avó diz que a gente deve honrar pai e mãe, mas eu não quero ver meu pai agora. Eu preciso acreditar que exista a justiça de Deus, pois, como Deus pode permitir uma criança nascer com este problema? Ela não tem culpa de nada.
Minha cabeça tá cheia e eu nem consigo pensar. Minhas primas têm sido legais comigo, eu é que não tô muito a fim de ouvir nada. Elas dizem pra eu perdoar meu pai, mas eu não consigo. Eu preciso de um tempo.
Por enquanto, é só.
Tchau,
Sônia.
Ao terminar de escrever em seu diário, Sônia toma uma decisão:
- Mãe, eu quero conhecer minha irmã.
- É um direito seu.
Lúcia fala com Vitor e este a acompanha e aos filhos para conhecerem a irmã. Vitor se apresenta inicialmente:
- Bom dia.
- Bom dia. – responde Adenir
- Seu nome é Adenir?
- Sim. O senhor veio procurar alguém aqui? Nunca vi o senhor. Não é a primeira vez que alguém aparece aqui já sabendo o meu nome. O que o senhor quer?
- Não se preocupe, eu sou irmão do Sérgio. Estou acompanhando meus sobrinhos, Sônia e Ivan que ficaram sabendo que têm uma irmã e quiseram conhecê-la. Meu irmão está se separando, mas a mãe dos seus filhos não vai impedir que eles tenham contato com sua filha e é com a autorização dela que estou aqui.
Apesar de um pouco temerosa, Adenir chama Sílvia e seus irmãos se apresentam:
- Oi, eu sou a Sônia, sua irmã.
- Sônia... – Sílvia repete
- Eu sou o Ivan.
- Ivan...
Sônia e Ivan a princípio ficam com pena da irmã. Sônia, mais sensível, se afeiçoa logo; Ivan resiste um pouco.
Voltando para casa, Sônia fala com as primas:
- Gente, tô sentindo tanto amor pela minha irmã.
- Que bom, Sônia – Sandra sorri satisfeita
- Ela tocou seu coração, né? – Suzana observa
- É...Até o Ivan conversou com ela.
- É, estamos vendo milagres. – Suzana comemora – Agora só falta você aceitar Jesus.
- Sabe, Sú, eu fico pensando sobre isto. Não sei...mas eu olho pra você, sinto uma diferença.
- Esta diferença é Jesus na minha vida. Pode ser na sua também.
- Mas, será que é assim? Quer dizer...ah...sei lá, não sei explicar!
- Sônia, as coisas espirituais se discernem espiritualmente, não adianta buscar explicação pela lógica humana – Sandra argumenta.
- É, Sônia. – Suzana concorda - Você tá tendo uma experiência nova, conheceu uma irmã, sente amor por ela. Deus se agrada disto. Ela veio através do adultério, mas é sua irmã e é uma benção de Deus.
- Sônia, a gente sempre foi mais do que primas, somos mais que irmãs, eu gostaria que você, assim como a Suzana, se tornasse agora nossa irmã em Cristo. – Sandra convida
- Ah, gente, mas eu sempre acreditei em Cristo. Tive até uma revolta com tudo isto, mas não deixei de acreditar.
- Mas é importante declarar isto. – Suzana olha firme para Sônia.
- Por quê?
- Por quê declarando que Jesus é seu único salvador, anula qualquer força contrária - Sandra reforça.
- É simples, é só repetir uma oração. – Sandra ora com Suzana intercedendo e impondo as mãos sobre Sônia, que repete a oração de aceitação a Jesus.
- Nós também queremos conhecer a Sílvia! – Sandra dá a idéia
- É isso aí! – Suzana concorda – Amanhã vamos pedir ao Alfredo pra nos levar lá.
Suzana e Sandra conhecem a prima Sílvia. Oram por sua vida e levam-na a uma igreja próxima onde o pastor intercede pela menina e esta repete uma oração de aceitação a Jesus, diante dos olhares emocionados das primas e da irmã. Renato e Alfredo, também presentes, declaram Jesus como seu único salvador.
- Pena que o Ivan não esteja aqui. – Sônia lamenta
- Nem tudo é na hora que a gente deseja, né Sônia? – Sandra conforta a prima.
- Mas só o desejar, já confirma a promessa de Deus nas nossas vidas! – Suzana afirma com esperanças – “Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e tua casa”, é a promessa. Não importa o tempo, vai acontecer! “Pois mil anos aos Teus olhos são como o dia de ontem que se foi e como a vigília da noite” (Salmo 89: 4).
As inseparáveis primas agora são três irmãs em Cristo. Ainda em férias de meio de ano, as três saem alegres numa manhã para passear e evangelizar nas proximidades de casa. Pouco antes de chegarem, uma menina loura de cabelos lisos pouco acima dos ombros, vestida simplesmente de blusa branca e saia jeans aparentando cerca de 16 anos, aproxima-se do Solar Castelli, interfonando:
- Alô? – Viriato atende.
- Bom dia.
- Bom dia.
- Por favor, aqui é que mora o Dani?
- O Daniel?
- Sim, ele mesmo.
- Ele não mora mais aqui.
- Não?!
- Não.
- Mas...não é aí que moram os pais dele, os tios?
- Sim, mas ele não mora mais aqui.
- Tá... ‘brigada...
Viriato quer na realidade proteger Daniel e prefere não dar detalhes sobre seu paradeiro, pensando que a menina possa ser uma má influência.
- Quem era Viriato? – Alfredo pergunta
- Cara, não tô nem querendo saber. Uma garota procurando o Daniel. E se for alguém metida em encrenca, drogas, querendo tirar alguma coisa, fazer alguma chantagem? A gente nunca sabe.
- Será?
- Na dúvida, é melhor não arriscar.
Lá fora, arrasada por não ter notícias de Daniel, a menina fica imaginando o que teria acontecido a ele. Não sabe o que fazer e chora desesperadamente encostada ao muro. Neste momento, o TRIO EM S, vem chegando e Suzana é a primeira a reparar na menina.
- Gente, olha lá aquela menina encostada no muro, ela tá chorando.
- Tadinha... – Sônia se compadece.
- Vamos lá ver o que tá acontecendo com ela. – Suzana decide.
- Menina! – Suzana chama e a menina assustada tenta correr, mas logo para, sentindo-se mal e as três a alcançam.
- Você não tá bem. – Suzana segura a menina reparando que está ofegante e parece que vai desmaiar.
- Eu...ai....
- Respira fundo! – Sandra recomenda.
- Cê tá pálida! – Sônia impressiona-se.
- Vamos pra dentro. – Suzana decide. A menina é amparada por Suzana e Sandra enquanto Sônia interfona para o portão ser aberto. Viriato acha uma loucura trazerem para dentro de casa alguém que não conhecem.
- Deixa com a gente! – Sandra o tranquiliza
- Eu vou chamar minha mãe. – Suzana corre para procurar Soraya.
Sandra e Sônia sentam a menina no jardim e a ouvem.
- Que há com você? Por que tava chorando? – Sandra preocupa-se
- Eu...eu.. ai... – a menina leva a mão à boca e pergunta apressada:
- Tem algum banheiro aqui perto?
- Eu levo você. – Sandra a acompanha e a menina vomita muito.
Voltando um pouco melhor, a menina fala com as duas
- Eu tava procurando o Dani.
- O seu nome é... – Sandra espera que ela responda
- Flávia.
- Flávia! Que bom que você apareceu! Ele queria muito saber de você, não a encontrava, não conseguia ligação. Eu sou irmã dele, meu nome é Sandra.
- Eu tive que mudar às pressas com minha mãe e não consegui encontrar o Dani. O celular dele tava com outra pessoa. Eu fiquei desconfiada quando ouvi uma outra voz. O cara parecia tão malandro pela voz que eu tive medo de dar qualquer informação. Liguei da casa de uma amiga. Depois ela disse que ligaram perguntando por ele e ela disse que nem o conhecia, que era um engano e desligou logo.
- Você...bem, eu ainda sou muito nova, mas percebo as coisas. – Sandra espera por uma confirmação
- Eu tô grávida.
- Do Daniel? - Sônia pergunta
- Claro que é dele! – Flávia fica muito ofendida e chora.
- Sônia! – Sandra a repreende.
- Desculpe, não falei por mal, foi sem pensar.
- Calma, Flávia, não fica assim. – Sandra a consola, enxugando suas lágrimas com um lenço.
- Bebe um pouco d’água – Sônia oferece
- Você não tem ninguém que possa ajudar? Você não tem mãe, pai? – Suzana pergunta
- Pai? Nem sei quem é e acho que nem a minha mãe sabe. Ela diz que já fez muito em me colocar no mundo. Me chama de acidente biológico. A única pessoa que me amava e com quem eu podia contar era a minha avó, que me criou até há dois anos quando morreu.
- Você tá se sentindo muito só, né? – Sandra compreende a situação de Flávia
- Eu...eu descobri que tava grávida e tentei falar com o Dani. Minha mãe entregou a casa e mudou às pressas. Tô com outro telefone, por isso que ele não me encontrou. Eu tentei esconder e ainda tô tentando, mas minha mãe só não descobriu por que não para em casa. Eu preciso falar pro Dani...eu preciso saber onde ele tá.
Soraya e Suzana aparecem e Sandra e Sônia ajudam Flávia a contar tudo.
- Minha filha... – Soraya se compadece de Flávia – Eu acredito em tudo o que você disse, mas a mãe do Dani é uma pessoa muito rigorosa e por ser assistente social tenho certeza que vai exigir que assim que a criança nasça você faça um teste de DNA.
- Eu não tenho nada a temer, só não quero abortar, eu vou ter este filho de qualquer jeito, mesmo que o Dani nem quisesse mais saber de mim! Pelo menos um filho é uma boa lembrança do que a gente passou junto.
- Calma filhinha... – Soraya a conforta – Ninguém vai fazer você abortar e eu acho que o Daniel vai gostar de saber. Ele tá muito mudado.
- Ele quer muito saber de você. Ele falou isso comigo. – Sandra a anima
- Vocês não me disseram ainda onde ele tá. – Flávia se interessa
- Ele tá muito bem, numa casa de reabilitação pra dependentes químicos – Soraya informa.
- Eu...eu percebia que havia alguma coisa errada com ele, mas eu não tenho experiência nestas coisas.
- O pior já passou, nem vale a pena falar sobre isto – Sandra fala aliviada – Eu sofri muito também, porque meu irmão e eu sempre nos demos muito bem e ele tava tão perdido, mas finalmente encontrou Jesus.
- Quê?! – Flávia fica espantada
- Isto mesmo que você ouviu - Suzana confirma
- O que importa agora é ajudar esta menina – Soraya considera-se objetiva, não entendendo a profundidade das palavras das meninas.
- Você vai ter que contar pra sua mãe, né? – Sônia indaga
- Ela não vai me ajudar.
- Eu sei quem pode te ajudar – Sônia imediatamente tem uma idéia
Soraya liga para Vitor e vai com as meninas e Flávia à casa do cunhado, expõe a situação e ele se dispõe a falar com mãe de Flávia.
Chegando à casa de Flávia, Vitor toca a campainha e uma mulher de cabelos de um tom castanho meio marrom mal penteados, usando um traje estampado e tamancos de saltos bem altos, exageradamente maquiada e segurando um cigarro atende.
- A Sra. é dona Valéria?
- Dona? Eu não sou dona não senhor. Tenho só 32 anos. O senhor veio por alguma indicação?
- Eu vim por intermédio da sua filha.
- Da Flávia? Houve alguma coisa com ela? – apesar de perguntar, Valéria não demonstra interesse pela filha.
- Não se preocupe, ela está comigo, eu só vim na frente. Flávia, venha, querida.
Flávia atende e entra.
- Até que enfim, hein, garota? Tive que arrumar tudo sozinha, você tá sumida desde manhã e não avisa nada, tá pensando que aqui é hotel? O feijão que ‘cê come, é de graça pra você, mas pra mim custa caro, tá? Quer mole? Ninguém come da minha comida sem pagar, mesmo que não seja com dinheiro! Tá cheio de roupa suja, não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo!
- Mãe, a gente precisa conversar.
- Conversar?! Não tô com tempo pra conversa e o senhor, se não veio como cliente, diga o que quer e me dê licença.
- Eu vim da parte de sua filha...
- Mãe, eu to grávida – Flávia o interrompe
- Quê?! Tá louca?! Mais uma boca?! Nem morta, santa! Te vira! Aborta ou vai à luta!
- Calma, minha senhora... – Vitor tenta apaziguar
- Calma, por que não é com o senhor! Já não é mole levar a vida com esta menina e ela ainda acha que eu vou ter mais um aqui pra sustentar? Você não tem cabeça, né otária? Se queria dar o golpe da barriga, devia dar bem feito! Aposto que o pai nem quer saber!
- Ele não sabe ainda. – Vitor fala antes que Flávia dê alguma resposta, percebendo o nervosismo e indignação da menina.
- Quero ver só quando souber! – Valéria não acredita que ele vá assumir o filho
- Chega! Eu vou embora daqui! Você nunca foi minha mãe, só me botou no mundo e eu não preciso de você pra nada! Quem foi minha mãe, foi a minha avó, que se estivesse viva ia me repreender, mas não ia me dar as costas!
- A porta da rua é a serventia da casa! – Valéria responde com ódio.
- Espera um pouco. – Vitor novamente procura interceder – Ela errou, não pensou, mas é sua filha, é menor, a senhora é responsável por ela.
- É?! Pra fazer filho ela não lembrou disto! Agora, que se vire!
- Vou pegar minhas coisas e cair fora daqui! Ai! – Flávia passa mal e Vitor a segura
- Calma Flávia. Pensa em Jesus, tudo vai ficar bem.
- Ai....que dor...se eu perder meu filho por causa dela eu acabo com ela...
- Ela é sua mãe...
- Ela nunca foi mãe, só é uma mulher que teve uma filha! Eu vou trabalhar honestamente, não vou ganhar a vida de maneira fácil do mesmo jeito que ela faz!
- Cretina! – Valéria dá uma bofetada em Flávia – Você fala isto, mas tava sendo sustentada por mim! E fez filho debaixo do meu teto! Quem é você pra falar de mim?! Rua!
- Não se magoem. – Vitor pondera
- O senhor não ouviu ela dizer que eu não sou mãe? Pois então, agora é que eu não vou ser mesmo!
Flávia continua sentindo-se mal e Vitor a ampara
- Flávia, eu ajudo você a arrumar suas coisas, mas antes eu quero orar por você. Vamos expulsar todo o mal em nome de Jesus. Você vai ter seu filho. Ele será uma benção.
- Tratem de ser breves que eu tenho muito o que fazer! Pega tudo o que é teu e some daqui pra sempre!
Vitor ora por Flávia e ela melhora. Ajuda-a a juntar suas coisas e antes de saírem, fala para Valéria:
- Aqui está o meu cartão, ela vai ficar na minha casa, com a minha família.
- Eu não tenho mais nada com ela! – Valéria rasga o cartão - O senhor já tomou muito meu tempo! Leva essa coisa daqui!
Vitor leva Flávia ao médico que lhe prescreve repouso absoluto e remédios para segurar a gravidez. A menina é muito bem recebida pela família de Vitor, ocupando o mesmo quarto que Patty, que logo se dispõe a cuidar dela. Flávia sente-se ganhando a família que não tinha.
- Nem sei como vou agradecer. – Flávia diz a Vitor
- Eu fiz o que faria por qualquer pessoa necessitada.
- Mas eu não quero ficar aqui sem colaborar, eu quero trabalhar.
- Mas agora, neste momento, você tem que repousar.
- Mas eu preciso acertar isto, não me sinto bem assim.
- Flávia, se você se sente melhor, eu ofereço um trabalho pra você na cantina da minha escola.
- Assim que puder eu começo.
- Você não estuda?
- Eu tive que parar.
- Precisamos acertar isto também, mas, tudo a seu tempo.
- Com esta correria toda, a gente ainda não fez o principal.
- O que?
- Falar com o Dani.
- É mesmo.
- Mas eu ainda não posso ir aonde ele está.
- Lá é rigoroso pra saída dos internos, mas, como ele está indo bem, acho que não vai ser difícil trazê-lo aqui.
- Se o senhor puder, eu agradeço muito, mas, sobre a gravidez, deixa que eu conto.
Daniel é liberado para ver Flávia e um membro da casa de reabilitação o acompanha até a casa de Vitor. Daniel entra no quarto e encontra Flávia dormindo. Acorda-a com um suave beijo no rosto.
- Dani! – Flávia joga-se nos braços de seu amor, chorando de emoção, de felicidade por revê-lo.
- Tô aqui, minha linda, pronto pra recomeçar. Perdoa o sofrimento que te fiz passar. Você me procurou e eu também tentei achar você...
- Agora a gente tá aqui junto e é isto que importa.
- É claro, amor. Mas agora vai ser tudo diferente. Eu não dei a você o valor que você realmente tem. Foi preciso sentir muito sua falta pra saber o quanto é importante pra mim. Tô sentindo que você quer contar alguma coisa.
- Eu queria fazer mais suspense, mas não agüento.
- Então, fala.
- Amor...eu tô aqui, assim, deitada, de repouso, por que...tô grávida!
- Fofinha! – Daniel a abraça.
- Dani... Sua reação foi muito melhor do que eu esperava.
- Por quê? Pensou que eu não ia gostar?
- Ah, Dani...é que me assustaram dizendo que a sua mãe ia exigir um exame de DNA.
- Deixa isso comigo. Agora eu quero é tratar de nós dois.
- O que você quer fazer?
- Eu te amo e você tá grávida. Vamos casar.
- Você quer mesmo casar comigo?
- Quero, mas na presença do Senhor.
- Como assim?
- Flávia, Eu conheci um Deus que é Deus acima de qualquer um e quero que você também O conheça.
- Mas Dani, eu já tenho religião.
- Você pode até ter, mas será que você tem Jesus?
- E por que eu não teria? Eu rezo sempre!
- Já pensou em qual Jesus que você acredita? Será que é o que tá vivo, ou o que tá na cruz?
- Dani, eu fui batizada, fiz 1ª comunhão.
- Eu vou ser batizado.
- Mas Dani, você já não tem padrinho?
- Gatinha, não tô falando neste batismo que nossos pais decidem. Tô falando de um batismo que é da minha própria decisão, depois que aceitei Jesus como meu único e suficiente salvador.
- Dani, desculpa, amor. Eu te amo, sinto que você tá bem melhor, tá até mais calmo, tranqüilo, mas não é isso que eu quero seguir. Vamos combinar assim: você segue a sua religião que eu sigo a minha, tá?
- Gatinha, eu não sigo uma religião, eu sigo Jesus.
- Tá amor, mas eu também sigo.
- Flávia, tio Vitor e a família dele te abriram os braços, a porta da casa e o coração. Você foi praticamente adotada por ele. Ele tem sido um pai pra você, né?
- Ah, Dani...eu acho que se o meu pai biológico soubesse da minha existência, não viria a me aceitar como filha.
- Muitos pais biológicos rejeitam seus filhos, mas existe um Pai que é eterno, que nunca nos deixa, que tá pronto a aceitar a gente, a adotar a gente como filho, quando aceitamos O Filho d’Ele como único e suficiente salvador. Você não acha que o tio Vitor é um filho de Deus?
- Mas todos são filhos de Deus.
- Pra ser filho de Deus, a gente tem que aceitar O Filho d’Ele, Jesus, como nosso único e suficiente salvador.
- Então eu sou filha de Deus, eu aceito Jesus.
- Então, você deve declarar isto.
- Ah, Dani, dá um tempo! Eu não preciso fazer isto.
Daniel entende a posição de Flávia e sente um sinal de Deus de que tudo é uma questão de tempo.
Os pais de Daniel ficam sabendo da gravidez e indagam sobre a possibilidade do filho não ser seu, ao que ele, ofendido responde:
- Não vou casar com desconfiança. Eu creio que o filho é meu. Além do mais, quem sou eu pra julgar a Flávia? Eu não fui sempre fiel!
- Mas você é homem! – Paulo retruca com machismo.
- Que é isto, pai?! Você acha que só a mulher deve ser fiel? Numa relação deve haver fidelidade dos dois lados e eu me arrependo. Quero recomeçar, pois eu sei o quanto preciso dela e sei que não vou ser feliz com outra.
- Ela tá na sua igreja? – Heloísa indaga
- Ela vai comigo.
- Mas não tá lá, assim como você tá, né? – Heloísa insiste
- Ainda não, mãe, mas vai estar. Eu sei o que tô dizendo.
- Espero que saiba mesmo. – Heloísa continua descrente.
Flávia sente-se cada vez mais amada pela família de Vitor e participa de todas as festas, inclusive do aniversário de Helena e das atividades na escola, onde passa a trabalhar. Fica inquieta com a mudança de Daniel, que, apesar de tratá-la com carinho, evita maiores intimidades. Percebe que os adolescentes e jovens da igreja namoram de uma forma diferente. Flávia vai à igreja só para estar perto de Daniel e também por insegurança, pois teme que ele possa se interessar por alguma garota de lá. Daniel persiste, mesmo vendo as atitudes da namorada contrárias às suas orações.
No início do culto, sempre sentada com Daniel num banco bem atrás, Flávia debocha:
- Já vai começar: “Irrrrmãos!” – Flávia ergue as mãos
- Olha o respeito! – Daniel dá uma leve cotovelada em Flávia
- Ai, tá amor...desculpa.
Flávia ouve o louvor, a pregação e embora não fique atenta o tempo inteiro, sente-se mal quando ouve o trecho: “Atendei vós, pois, à parábola do semeador. A todos os que ouvem a palavra do reino e não a compreendem, vem o maligno e arrebata o que lhes foi semeado no coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho. O que foi semeado em solo rochoso, esse é o que ouve a palavra e a recebe logo, com alegria; mas não tem raiz em si mesmo, sendo antes, de pouca duração, em lhe chegando a angústia e a perseguição por causa da palavra, logo se escandaliza. O que foi semeado entre os espinhos é o que ouve a palavra, porém os cuidados do mundo e a fascinação das riquezas sufocam a palavra e fica infrutífera. Mas o que foi semeado em boa terra é o que ouve a palavra e a compreende; este frutifica e produz a cem, a sessenta e a trinta por um” (Mateus, 13: 18 – 23).
Flávia sente vontade de sair, mas, mesmo contrariada, ouve até o fim e o incômodo é maior quando o pastor questiona a todos na pregação:
- E você, que terra é?
A pergunta vem como uma flecha em seu coração, pois o carinho que é tratada pela família de Vitor levam-na a uma comparação sobre que terra seria ela no meio deles. Lá fora, fala com Daniel:
- Amor, desculpa, tá?
- Tudo bem.
- É que...ai, Dani...eu não combino com isto. É tão diferente do que eu aprendi.
- Fofinha, você precisa aprender a separar Deus de religião.
- Mas eu aprendi a ver Deus através da minha religião.
- Por tradição, herança.
- Dani, futebol, política e religião não se discute!
- Nem eu vou discutir com você.
- Mas, no íntimo, você gostaria que eu fizesse parte da sua igreja, que pensasse igual a você.
- Flávia, o Espírito Santo é que me tocou. Eu não passei a pensar como ninguém.
- Ah, Dani, não dá pra conversar assim!
- Flávia, você tá tendo a oportunidade de conhecer uma família como a do tio Vitor, homem que antes parecia pra mim ridículo, mas agora é um exemplo. Tem defeitos como qualquer ser humano, mas é um homem de Deus, com uma família abençoada que também serve a Deus.
- Dani, se eu não quiser fazer parte da sua igreja, você deixaria de se casar comigo?
A pergunta deixa Daniel por alguns segundos calado, sério, o que preocupa Flávia.
- Responde, Dani. – Flávia fica mais tensa, com vontade de chorar.
- Gatinha, te amo muito, amo muito nosso filho e vou fazer tudo por ele, mas, em primeiro lugar, adoro a Deus.
- Quer dizer então que você não se casaria comigo se eu não quisesse fazer parte da sua igreja?! – Flávia fala com a voz embargada, mas Daniel, apesar de lamentar, mantem uma posição firme.
- Paulo pediu a Deus que retirasse um espinho de sua carne. Deus respondeu: “A minha graça te basta”. Se este é o meu espinho na carne, por mais que me doa, a graça de Deus é meu consolo. Me perdoa, mas é assim que eu penso.
Flávia está mais sensível devido a gravidez e acha as palavras de Daniel cruéis demais, considera a atitude dele para com ela que lhe dispensava tanto amor, uma ingratidão. Reflete sobre o que falou sobre a família de Vitor, que é como sempre desejou. Emoções confusas se passam sobre sua mente. “Por que tem que ser assim?” – Flávia pergunta-se.

3 comentários:

  1. Gostei demais desse capítulo.Muitas mudanças e coisas boas aconteceram,mas falta algumas coisas serem colocadas no lugar.Espero ansiosamente os próximos capítulos e vou tentar não demorar para ler.

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  2. Muito bom....
    Que lindo da parte de Sônia em querer conhecer a irmã, isso prova um verdadeiro carater que apesar do que o pai aprontou ela entende que a menina não tem culpa.

    P.s: Falta só mais um capitulo.

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  3. Gostei muito desse cap e fiquei realmente admirada com a atitude do Dani!
    Deus sabe de todas as coisas... ele tá fazendo aquilo em q acredita e eu acho q essa é sempre a melhor escolha, mesmo q muitas vezes não venhamos a ser compreendidos!

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